COMO IDENTIFICAR - E REAGIR DIANTE DE - IMPORTUNAÇÃO E ABUSO SEXUAL NO CARNAVAL

 Se ultrapassou seu limite, é crime: os sinais que indicam que se está passando por uma violência sexual

Como identificar – e reagir diante de – importunação e abuso sexual no Carnaval

Especialistas em violência de gênero apontam os limites que não podem ser ultrapassados em hipótese alguma e os sinais de alerta de um possível abuso sexual. A lista inclui comportamentos naturalizados no período, como 'beijo roubado' e cantadas ofensivas

Por Camila Cetrone

16/02/2023 05h02  Atualizado há 11 meses

 

Imagine o seguinte cenário: você está curtindo um bloco de Carnaval com amigas quando um desconhecido te rouba um beijo sem o seu consentimento. Ou ainda: alguém puxa seu braço ou faz um comentário sobre seu corpo que te constrange, mas você releva porque está vestindo uma roupa curta. Apesar de serem importunação e abuso sexual, essas violências contra os corpos das mulheres são vistas como uma consequência do clima carnavalesco e podem ser naturalizadas até mesmo por quem sofre com a situação.


“Construiu-se uma ideia ao redor da festividade de que o Carnaval é um momento de liberalidade que extrapola o querer do outro. Isso não é verdade", afirma Ana Cristina de Souza, coordenadora de Políticas para as Mulheres da cidade de São Paulo.

Mesmo com a veiculação cada vez mais constante de campanhas de conscientização, essa mentalidade não só se mantém como aumenta os índices de violência sexual durante as festividades em até 20%, segundo dados de 2019 do extinto Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Quase metade das brasileiras afirmam que foram vítimas de importunação, constrangimento e assédio durante o Carnaval, segundo levantamento de 2020 do Ibope Inteligência.

“Precisamos desconstruir essa ideia de permissividade ao redor da festividade e mostrar que se pode, sim, confraternizar, mas que há limites”, continua Ana Cristina.

A advogada Mayra Cardozo acrescenta que, independentemente da roupa, do cenário ou do contexto, esses comportamentos não devem ser encarados como naturais: “É essencial que as pessoas saibam que passar a mão no corpo ou forçar um beijo são crimes e que as mulheres estejam conscientes sobre essas condutas”.

Marie Claire preparou uma lista de perguntas e respostas junto às especialistas para que mulheres saibam identificar importunação e abuso sexual durante o Carnaval – além de medidas para se manter em segurança e a quais serviços devem recorrer caso sejam vítimas.

Como identificar importunação ou abuso sexual no Carnaval?

A ficada com pessoas desconhecidas e o clima de flerte no ar não são novidades nas festas carnavalescas, e estão longe de ser um problema. No entanto, a régua usada para medir o que é ou não é seguro é a do consentimento. De maneira simples: se ultrapassou seu limite, é importunação sexual ou abuso.

"Se a pessoa consentiu para um beijo ou um abraço, então é um ato tolerável. Agora, se não consentiu, implica em conduta criminosa", reforça Cardozo.

“Às vezes, a conexão já é perceptível quando a pessoa se aproxima, sem um toque. Mas, quando a vontade é de se afastar, então esse é o sinal de que se está em uma situação arriscada”, complementa Souza. A coordenadora de políticas para mulheres ainda destaca a insistência excessiva como um sinal para se afastar e procurar uma autoridade policial.

Sua fantasia NÃO é um convite

Entre os comportamentos abusivos normalizados no Carnaval está a falsa convicção de que mulheres com pouca roupa estão “pedindo” para serem cantadas, beijadas ou apalpadas. O mesmo acontece se uma mulher está sob o efeito de álcool ou alguma outra substância.

No entanto, nada disso justifica uma importunação ou um abuso sexual. Mesmo que você se enquadre nesses casos, a linha do consentimento continua sendo válida: se extrapolou o seu limite, é crime. Em outras palavras: se você disse ou sinalizou um não, avançar é crime.

“Os homens precisam entender que as fantasias e as roupas não são convites para acessar o seu corpo enquanto mulher. São apenas adereços, como você manifesta sua alegria e a maneira como participa do Carnaval”, diz Souza.

Dessa maneira, não se sinta inibida a procurar ajuda. “As mulheres precisam se empoderar de informações que validem a maneira de se expressarem e, assim, se sintam seguras sobre o que estão fazendo ou vestindo”, acrescenta Souza.

Beijo roubado, puxão de cabelo e cantadas são crimes?

Essas condutas são as mais naturalizadas não apenas durante a época de Carnaval, mas em outros momentos do ano. Cardozo explica que, além de não serem aceitáveis em nenhuma hipótese, essas ações são configuradas por lei como importunação sexual.

Lei de Importunação Sexual (nº 13.718) foi sancionada em 2018 e otimizou o registro de ocorrências e a denúncia de crimes como esses, em que há a realização de um ato libidinoso sem consentimento, realizado por alguém com o objetivo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". O crime também consta no Art. 215-A do Código Penal.

“Há dois anos, o código para importunação sexual mudou para classificar essas condutas sexuais invasivas. Mesmo não sendo vistas como grave ameaça ou violentas, são atitudes criminosas”, diz a advogada. Nesses casos, a autoridade policial pode e deve ser acionada.

Qual a melhor maneira de coletar provas?

Uma das reações da vítima pode ser de querer registrar fotos ou vídeos do autor do crime e divulgá-los nas redes sociais ou apresentá-los à polícia. Souza afirma que a medida, apesar de já ter sido recomendada, não é a ideal, pois pode reverter contra a mulher: “O homem pode alegar que só estava passando, que nem estava falando com ela ou que não é a pessoa do registro”.

Cardozo afirma que, em casos em que não há flagrante, a mulher pode verificar se existem outras pessoas que presenciaram o ato e podem testemunhar e ajudar na identificação.

Se o crime tiver ocorrido na rua, verifique se há câmeras de segurança de estabelecimentos ou de vias públicas que possam ter captado o ato. Guarde o local onde aconteceu e comunique à polícia. As gravações podem ser solicitadas para auxiliar na identificação do autor.

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'As fantasias e as roupas não são convites para acessar o seu corpo enquanto mulher', diz Ana Cristina de Souza, coordenadora de Políticas para as Mulheres da cidade de São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images
'As fantasias e as roupas não são convites para acessar o seu corpo enquanto mulher', diz Ana Cristina de Souza, coordenadora de Políticas para as Mulheres da cidade de São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images

E se o policial se recusar a fazer o atendimento?

O momento da realização da denúncia pode variar de pessoa para pessoa. No entanto, assim que sentir que sua liberdade e dignidade sexual foi invadida, é de suma importância que uma autoridade seja acionada imediatamente. Além da denúncia em si, o registro da ocorrência se torna estatística, o que pode ajudar a nomear o problema, ampliar sua visibilidade e otimizar a criação de políticas e aparatos para combatê-lo.

No entanto, Souza e Cardozo afirmam que, infelizmente, continua sendo comum que agentes policiais se recusem a atender a essas ocorrências – seja por falta de treinamento que os impeçam de enxergar o crime ou pela dificuldade de atender à alta demanda.

“Talvez no primeiro momento você tenha dificuldade de relatar sua ocorrência. Mas não desista no primeiro agente”, encoraja Souza. Além de guardas municipais e policiais militares, busque saber quais outros tipos de atendimentos serão disponibilizados para atender vítimas de violência sexual durante o Carnaval. Dê preferência a esses espaços.

"Recomendo que a pessoa procure as delegacias especializadas da mulher, que cuidam com mais frequência desses casos. A Casa da Mulher Brasileira também é um ótimo lugar para buscar auxílio. É possível também procurar um advogado especializado em gênero ou o Ministério Público", indica Cardozo.

Mais abaixo, trazemos um mini guia de serviços públicos que oferecem ajuda para mulheres vítimas de violência o ano todo. A reportagem também apurou junto às cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (BH), Salvador (BA) e Recife (PE) quais medidas serão adotadas para amparar mulheres durante o Carnaval de rua.

Quais medidas posso adotar para me manter segura?

Apesar de o abuso e a importunação sexual não serem de responsabilidade das mulheres, existem algumas medidas que podem garantir que a festa seja curtida com mais segurança e proteção para todas. Ana Cristina de Souza indica os seguintes cuidados:

  • Ande sempre em grupo – procure ficar sempre próxima das pessoas que estão com você. Se uma amiga se sentir mal, dê assistência, leve-a a um posto de atendimento próximo ou para casa. Caso presencie que uma delas está sofrendo violência, tire-a de perto do agressor e recorra à polícia.
  • Não aceite bebidas de estranhos – evite aceitar itens de pessoas desconhecidas, que podem ter sido “batizados”. A prática é comumente realizada por homens que têm a intenção de vulnerabilizar a vítima para cometer crimes sexuais.
  • Marque pontos de encontro – assim, caso você ou uma de suas amigas se percam, facilita o reencontro. Opte por pontos de encontro conhecidos por todas e facilmente encontráveis.
  • Busque informações sobre os serviços disponíveis – antes de curtir a festa, saiba onde estão as unidades de atendimento, os agentes policiais e a quais serviços se pode recorrer caso você ou alguém precise de ajuda.
  • Deu match? Crie rastros – caso você tenha se relacionado com alguém e queira se distanciar de seu grupo, certifique-se de manter a localização ativada. Mande mensagens a alguém de confiança dizendo para onde vai. Faça fotos (selfies ou fotos em grupo) em que o rosto da pessoa esteja visível.
  • Diga sua localização a alguém de confiança – essa dica é voltada especificamente para foliãs adolescentes: avise aos pais, responsáveis ou pessoas de confiança sobre onde vai (nome do bloco, trajeto, tempo de duração) e compartilhe sua localização.

Outro ponto importante é oferecer ajuda caso perceba que uma mulher, conhecida ou não, pode estar em uma situação de risco. “Muitas vezes o autor do crime se identifica como companheiro ou namorado dessa mulher, mas é um total desconhecido. Então, pergunte a ela se de fato é alguém que ela conhece e se ela precisa de ajuda”, acrescenta Souza.

Mini guia de serviços públicos que oferecem ajuda para mulheres vítimas de violência*

  • Delegacias: há dois tipos, a de defesa da mulher e a comum. Qualquer uma pode e deve ser procurada nos casos em que você precisa fazer uma denúncia ou pedir socorro. Nesses lugares, a mulher deve ser orientada, protegida e ter seu caso investigado, se for preciso. São nas delegacias, por exemplo, que se registra a violência sofrida e pede-se medidas protetivas para que o agressor mantenha distância da vítima.Também é possível solicitar uma medida protetiva de urgência para afastar o agressor.
  • Hospitais e UBS: são serviços de saúde para os casos de violência física ou sexual. Procure o quanto antes atendimento nesses lugares, que devem acolher e orientar, além de encaminhar para outros serviços, oferecer medicações e tratamentos e prever possíveis riscos à saúde da mulher.
  • Casa da Mulher Brasileira: Ainda há poucas espalhadas pelo Brasil, no entanto, se houver na sua cidade, é o melhor lugar para se buscar ajuda imediata. A Casas foram criadas para acolher mulheres vítimas de qualquer violência e funcionam (ao menos na teoria), 24 horas por dia, e contam com socorro multidisciplinar e espaço para que as crianças fiquem enquanto suas mães são atendidas. Nelas ainda há delegacia e atendimento jurídico.
  • CREAs e CRAs: os dois são centros de referência de assistência social. Uma vítima de violência pode encontrar neles acolhimento, orientação e ajuda psicossocial. Nesses lugares, mulheres podem também receber atendimento emergencial e indicações de abrigos sigilosos.
  • Casas abrigo: também são poucas pelo país, mas importantíssimas no acolhimento de mulheres que precisam urgentemente sair de casa. São locais seguros e sigilosos para mães e filhos em situação de violência.
  • Defensoria pública: é o órgão do Estado responsável por oferecer auxílio jurídico. Inclusive, em algumas cidades existem núcleos especializados na defesa das mulheres. Caso precisar iniciar um processo, procure a Defensoria.
  • Disque 180 e 190: o primeiro é um número da Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal. Qualquer pessoa pode ligar para relatar abusos contra mulheres, e abusos de qualquer ordem. Se você escuta sua vizinha ser alvo de violência verbal, por exemplo, é para o 180 que deve ligar. A sua identidade é sempre protegida nas denúncias. Já o 190, telefone da polícia, é para onde você deve ligar em casos de emergência. Se você ou uma mulher que conheça está correndo risco de vida, ligue imediatamente.

* Fonte: mapadoacolhimento.org

https://revistamarieclaire.globo.com/violencia-de-genero/noticia/2023/02/como-identificar-abuso-sexual-importunacao-sexual-carnaval.ghtml

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