Muito antes da sua estreia nos cinemas brasileiros, no dia 28 de julho de 2022, o filme Boa Sorte, Leo Grande já havia provocado um verdadeiro alvoroço nas redes sociais. “Nossa, que coragem da Emma Thompson , aos 62 anos, mostrar o corpo completamente nu em frente ao espelho”. É verdade, é uma cena muito impactante de apenas 20 segundos em que a famosa atriz que interpreta Nancy, a protagonista da história, se despe da vergonha e começa a apreciar o seu corpo, apesar de ser “barriguda e ter os seios caídos até o umbigo”, como ela diz em certo momento.
Outro rebuliço antes da estreia foi o fato de Nancy, uma professora aposentada reprimida e insatisfeita, nunca ter tido um orgasmo em toda a sua vida. Após ficar viúva, ela resolveu contratar um profissional do sexo para realizar seus desejos e fantasias. Mesmo não sendo rica, ela decide pagar bem caro por quatro encontros com o jovem, belo e musculoso Leo Grande, interpretado pelo ator Daryl McComarck.
Tive a sorte de assistir Boa Sorte, Leo Grande antes da estreia, pois fui convidada para debater o filme e falar sobre as minhas pesquisas sobre a sexualidade das mulheres mais velhas. A produção de 1h37 de duração se passa quase que inteiramente em um quarto de hotel com Nancy e Leo. As cenas de sexo e de nudez não chegam a cinco minutos. O filme é, na verdade, sobre a frustração de uma mulher extremamente insatisfeita com a sua vida amorosa e sexual, viúva há dois anos de um casamento infeliz de 31 anos, que teve um único homem em sua vida e sempre fingiu um prazer que nunca sentiu. Nancy tem dois filhos que não têm o menor interesse por ela: um estudante de química “entediante” e uma filha que vive em uma comunidade de artistas e só telefona quando está com problemas e precisa de dinheiro.
Nancy procura Leo para viver algo que nunca havia experimentado, mas que sabia que existia. No primeiro encontro, ela está vestida de uma forma austera, fala compulsivamente e demonstra muita insegurança, ansiedade, culpa e vergonha por ter procurado um profissional do sexo. Ela conta que nunca teve um orgasmo – nem sozinha – e que, depois que o marido morreu, decidiu nunca mais fingir um orgasmo como sempre fez com ele.
Colunista reflete sobre filme "Boa Sorte, Leo Grande" e os tabus do sexo para mulheres maduras (Foto: Reprodução)
Como está se sentindo muito envergonhada, Nancy não para um só minuto de falar. Ela pergunta à Leo: “Qual é a pessoa mais velha com quem você já fez sexo? Qual a idade?”. Leo responde: “82”. Ela pergunta três vezes para confirmar: “82?”. Leo confirma e ela se sente aliviada por não ser a mulher mais velha com quem ele transou: “Estou me sentindo um pouco melhor agora”.
No segundo encontro, mais solta e sensual, ela aparece com uma listinha de desejos anotada em um pedaço de papel. “Fiz uma lista das coisas que gostaria que fizéssemos”. Leo diz que “parece sexy”. Ela reage: “Não zombe de mim, sou uma professora”. Leo pergunta, então, qual é a primeira coisa da lista. Ela coloca seus óculos de professora e lê: “Número 1: faço sexo oral em você. Número 2: você faz sexo oral em mim. Númerom3: fazemos um 69, se é assim que se diz. Número 4: fico por cima. Número 5: fico de quatro”.
Ela pergunta se reservou tempo suficiente para tudo (duas horas). Leo fica assustado: “Você quer fazer tudo hoje?”. Ela responde que sim, pois “você é bem caro e não sei se poderei pagar por uma nova sessão”. Assim, no segundo e terceiro encontros ela realiza algumas de suas fantasias.
Em uma das cenas mais impactantes, Nancy confessa que sempre teve vergonha do seu corpo.“Sempre tive vergonha de mim, do meu corpo, sempre consciente de que há algo errado com ele: coxas grossas, barriga, os seios caídos até o umbigo, meus braços balançam desde os meus 20 anos”.
Emma Thompson, ao falar sobre o filme, disse que, até hoje, as mulheres são frustradas e reprimidas sexualmente e sentem vergonha do próprio corpo. “Nancy nunca teve um orgasmo, e não acho isso incomum, mesmo na vida moderna. Então ela decide, de repente, se libertar. Foi muito desafiador ficar nua, aos 62 anos. Especialmente em um mundo em que as exigências feitas às mulheres são terríveis. As jovens atrizes com quem falo sugerem, inclusive, que existe uma espécie de tirania para fazer as mulheres perderem a autoconfiança”.
Quando Nancy quer fugir, e repete que foi uma ideia ridícula e idiota, Leo responde carinhosamente: “Talvez você só queira conversar”. Bingo. Para mim, o filme é exatamente sobre isso. Apesar das cenas de sexo e da nudez de uma mulher que tem vergonha “dos seios caídos até o umbigo”, o filme é um diálogo transformador entre Nancy e Leo, em que ela fala compulsivamente e ele escuta atentamente procurando compreender os desejos e as necessidades de uma mulher que nunca sentiu prazer com o próprio corpo e com a própria vida.
O filme é sobre o processo de libertação de uma mulher madura que achava que a vida já tinha acabado, e que tem a coragem, mesmo que tardiamente, de vencer o medo e a vergonha e descobrir o próprio prazer.
Fonte:https://vogue.globo.com/sua-idade/noticia/2022/08/sera-que-uma-mulher-pode-comprar-realizacao-dos-seus-desejos-e-fantasias-sexuais.html
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