"NA NOSSA CULTURA, HOMENS APRENDEM A AMAR COISAS E MULHERES, A AMAR OS HOMENS"

  

A subjetividade da mulher se constrói a partir do olhar dos homens, explica Valeska, e a solidão feminina portanto é sinônimo de fracasso (Foto: malerapaso/Getty Images)

A subjetividade da mulher se constrói a partir do olhar dos homens, explica Valeska, e a solidão feminina portanto é sinônimo de fracasso (Foto: malerapaso/Getty Images)

"Na nossa cultura, homens aprendem a amar muitas coisas e mulheres, a amar os homens

Coordenadora do grupo de estudo Saúde Mental e Gênero do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, a psicóloga e filósofa Valeska Zanello tem se dedicado a investigar o abismo que separa homens e mulheres na sociedade essencialmente patriarcal e capitalista em que vivemos. Sua mais recente pesquisa foi olhar para memes e posts criados por homens no início da pandemia, época de maior isolamento social. O material violento e jocoso escancara misoginia e o olhar objetificador direcionado às mulheres

  • MANUELA AZENHA
  • COLABORAÇÃO PARA MARIE CLAIRE
 ATUALIZADO EM 

Após debruçar-se sobre mensagens trocadas em grupos masculinos de WhatsApp em 2019, a psicóloga e filósofa Valeska Zanello agora está prestes a publicar um artigo sobre memes e posts feitos por homens no início da pandemia de Covid-19. Segundo a pesquisadora, coordenadora do grupo de estudo Saúde Mental e Gênero, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), o material coletado foi um prenúncio do que estava por vir: o crescimento da violência contra a mulher no período de isolamento social.

As mensagens foram divididas em três categorias: "estar em casa é uma penitência", "homem não vive sem sexo"e "chacota do universo compreendido como feminino". "Não podemos culpabilizar o isolamento social. A Covid trouxe uma lupa para um problema muito sério no Brasil, que é o machismo estrutural", afirma Valeska. "O que se conclui com essas pesquisas é que as masculinidades estão bastante adoecidas no Brasil e que pensar em políticas de promoção de outras formas de masculinidades deveria ser prioridade nas políticas públicas, sobretudo na educação", continua.

Em entrevista à Marie Claire, a professora fala também sobre o tema do seu livro, Saúde Mental, Gênero e Dispositivos (2018), no qual discorre sobre as diferenças entre os sofrimentos dos homens e das mulheres no amor. Segundo Valeska, em 24 anos de psicologia clínica, nunca atendeu a uma mulher cujo principal sofrimento não fosse o amor. "Na nossa cultura, homens aprendem a amar muitas coisas e  mulheres, a amar os homens. Isso nos faz amor centradas. Isso não quer dizer que os homens não amem e não sofram quando levam um fora, mas nunca conheci um homem que sofresse por não estar amando, pelo contrário: estão aproveitando a vida". A subjetividade da mulher se constrói a partir do olhar dos homens, explica Valeska, e a solidão feminina portanto é sinônimo de fracasso.


MARIE CLAIRE Você está analisando memes e posts machistas que circularam no início da pandemia, época de maior isolamento social. Poderia nos contar mais sobre essa pesquisa?
VALESKA ZANELLO
 Fiz uma chamada nas redes sociais solicitando que me enviassem memes e posts que considerassem machistas, recebi de homens e mulheres. Analisei o material e criei 3 categorias, de março a maio de 2020. A primeira: estar em casa é uma penitência. A segunda: homem não vive sem sexo. A terceira: chacota do universo compreendido como feminino. A primeira categoria foi composta por quatro temas. O primeiro é que a mulher fala e reclama demais. Nos memes em geral os homens estavam de saco cheio das mulheres, a reclamação e cobrança ouvida por eles era em relação à distribuição das tarefas domésticas e ciúmes. O segundo tema é: se homem e mulher ficam em casa juntos, terá briga. Um post que circulou muito dava a entender que a violência na cidade acabou, mas a violência dentro de casa tinha crescido, e de fato ela cresceu na pandemia. O terceiro tema: por suportar mulheres, homens deveriam ser enaltecidos. Circulou uma paródia daquela homenagem feita aos profissionais da saúde na linha de frente da Covid, com os homens no lugar desses profissionais. E o quarto tema é a vontade de exterminar a esposa. Foi recorrente uma brincadeira em tom jocoso, por exemplo, com a imagem de uma mulher com o cabelo no rosto de frente pro espelho, ela pede o secador sem olhar e o marido entrega uma arma. Ou então outra em que o marido aparece em paz em casa curtindo a vida enquanto a mulher está amordaçada num armário. A segunda categoria, a de que o homem não vive sem sexo, tem o tema de que no casamento não há sexo. E a ideia de que para se obter sexo, o homem abre mão de tudo, do autocuidado, da racionalidade, da verdade. Se fica sem sexo, o homem começa a enlouquecer. Depois, tem o tema de que o sexo é serviço essencial, comparando mulheres com alimentos. Diversos posts apontavam o aumento da necessidade de consumo dos corpos de mulheres. Uma sala como se fosse um prostíbulo, com várias mulheres sentadas de máscara, escrito serviços essenciais seguirão funcionando. Um post com uma vagina com vários cadeados, escrito: mais um comércio fechado. Mulheres amarradas e amordaçadas, escrito vamos estocar comida, pessoal. Por fim, chacota do universo compreendido como feminino. Muito comum mulheres antes e depois: na quarentena era uma barbie e depois uma mulher gorda. Também sobre os cabelos brancos das mulheres. Importante dizer que tem um prenúncio da violência, principalmente a primeira categoria. Não podemos culpabilizar o isolamento social. A Covid trouxe uma lupa para o machismo estrutural, problema muito sério no Brasil.

MC E o que concluiu com a análise desse material?
VZ 
Que as masculinidades estão bastante adoecidas no Brasil e que pensar em políticas de promoção de outras formas de masculinidades deveria ser prioridade nas políticas públicas, sobretudo na educação.

MC Pode-se falar que vivemos numa sociedade misógina?
VZ
 Sim, a gente vive numa sociedade misógina. Em geral as pessoas entendem a misoginia, que é o repúdio às mulheres e às qualidades consideradas femininas, apenas de forma direta, como no feminicídio ou em discursos claramente de ódio, que defendem o uso de estupro como corretivo, por exemplo. Mas se destaca no Brasil um tipo de misoginia indireta, maquiada, que ocorre por meio da objetificação sexual, o que ficou muito claro na minha pesquisa anterior, com grupos de Whatsapp. Isso quer dizer que a objetificação confunde porque parece uma exaltação mas na verdade se estabelece uma relação em que se transforma a outra ou o outro em coisa e uma relação de controle, domínio, subjugação. Esse é o tipo de emocionalidade que mais tem sido interpelado no processo de tornar-se homem no Brasil. A objetificação não está só relacionada ao objeto mulher, é muito mais uma emocionalidade, um modo de se colocar no mundo que é demandado dos homens.

MC A misoginia é algo da nossa cultura ocidental ou é universal?
VZ 
É difícil falar da misoginia no universal. Temos o patriarcado em muitas culturas e épocas distintas, mas no Brasil e Ocidente temos o patriarcado capitalista. O capitalismo trouxe uma separação entre os âmbitos privado e público e dividiu os poderes reprodutivo e produtivo. Tudo feito fora de casa é considerado dos homens e é ressarcido, ganha um salário. Mulheres, portadoras do útero, são consideradas naturalmente cuidadoras, maternais, e relacionadas às tarefas domésticas, tidas como vocacionais, não valorizadas e não assalariadas. O capitalismo precisa da divisão sexual do trabalho e a capacidade de reprodução é fundamental para garantir a reserva de mão de obra. A misoginia exerce um papel estruturante. As relações de gênero são relações de poder e hierárquicas, com privilégios por parte dos homens. O capitalismo também precisa do racismo. No momento do colonialismo, do mercantilismo, é preciso pensar aqueles não brancos como não humanos e portanto passíveis de serem explorados, escravizados, para produzir mais capital. Racismo e sexismo são bases estruturantes da nossa cultura e  fundamentais, hoje, para o nosso sistema econômico.

MC E você percebe alguma mudança com relação a isso ao longo do tempo ou "sempre foi assim"?
VZ 
A misoginia se expressa na cultura, leis, instituições, no nosso cotidiano. Uma mudança que tem havido é a maior conscientização das mulheres pela luta de outras mulheres, pelo avanço dos feminismos em suas múltiplas vertentes, assim como temos o avanço dos movimentos negros. Isso é importante para o avanço da democracia, mas estamos longe de um país igualitário.

MC Você escreveu um livro sobre as diferenças entre o sofrimento da mulher e do homem no amor. Em outra entrevista você disse que em 24 anos como psicóloga nunca atendeu a uma mulher cujo principal sofrimento não fosse o amor, é isso mesmo? A que atribui isso?
VZ 
Lancei um livro sobre isso em 2018, fruto de 13 anos de pesquisa no campo de saúde mental e gênero, e 21 anos de psicologia clínica. Aponto caminhos diferenciados de subjetivação de tornar-se homem ou mulher. As mulheres se subjetivam pelo dispositivo amoroso e materno, já os homens pelo dispositivo da eficácia. O dispositivo amoroso significa que nós mulheres nos subjetivamos na relação com nós mesmas mediada pelo olhar do homem que nos escolhe. Criei uma metáfora para isso, que é a prateleira do amor. A prateleira é marcada por uma desigualdade profunda, estrutural, por um ideal estético que foi construído no começo do século passado: branco, magro, louro e jovem. Quanto mais distante disso, pior o lugar na prateleira. As mulheres negras estão no pior lugar, por isso fala-se tanto na solidão da mulher negra. Mas também a mulher velha, com deficiência, indígena. Quanto pior o lugar, mais você é visto sob a égide da objetificação sexual, e não é digna de afeto. Mas no fundo a prateleira não é boa pra ninguém porque ela elege o homem como avaliador físico e moral das mulheres. Qualquer perebado se acha no direito de nos avaliar física e moralmente. É aquele cara de barriga gigante na praia chamando a mulher de baleia. O Paulo Guedes falando que a mulher do Macron é feia. O amor é construído de forma identitária para as mulheres, isso significa que o nosso valor de mulheridade é dado por ser escolhida e manter-se escolhida numa relação. Esse é nosso botão de vulnerabilidade. Em tantos anos de clínica, o que mais me impressiona é como um perebado facilmente é transformado em príncipe encantado. Por exemplo, você está no trabalho, um cara qualquer começa a te presentear com bombons e aí a sua percepção sobre ele muda. Você se encanta pelo encantamento dele. O dispositivo amoroso cria uma terceirização da autoestima. A gente aprende que só é desejada se algum homem nos desejar. Mulher que fica 2 anos sem estar numa relação começa a se achar um lixo. Uma vulnerabilização total. Além disso, o dispositivo nos coloca em posição de persistência em relações abusivas. Terminar uma relação para uma mulher é fracassar em sua mulheridade. Na nossa cultura os homens aprendem a amar muitas coisas e a mulher aprendem a amar os homens. Isso nos faz amor centradas. Isso não quer dizer que os homens não amem e não sofram quando levam um fora, mas nunca conheci um homem que sofresse por não estar amando, pelo contrário, estão aproveitando a vida. Uma mulher sozinha, por sua vez, é entendida como encalhada e não como tendo protagonismo. O que as pessoas pensam, comentam e dizem é: coitada, tão bonita (prendada, etc). O pensamento implícito é: deve ter algum defeito para estar encalhada. Uma mulher sozinha é entendida como uma mulher preterida, que nenhum homem quis e portanto deve ter algum defeito. Você pode ser uma mulher super bem sucedida profissionalmente, mas se estiver solteira sempre tem a ideia do fracasso.

MC Os relacionamentos amorosos para a mulher tendem a ser o que há de mais importante na vida dela? Isso é diferente para os homens?
VZ 
As mulheres aprendem uma certa forma de amar e isso está presente em vários produtos da cultura como forma de pedagogia afetiva, filmes, músicas, propagandas. As mulheres aprendem a ser amor centradas e a creditarem a autoestima na capacidade de se fazer e se manter escolhida numa relação amorosa. Isso é completamente diferente para os homens. O dispositivo da eficácia é baseado em duas virilidades: sexual e laborativa. Ou seja, ser trabalhador provedor e comedor sexual ativo. Em culturas sexistas, homens e mulheres são interpelados por questões diferentes. Se descentrar do dispositivo amoroso é poder estar bem sozinha. O estar com alguém ter que ser algo a mais e não pré-requisito para se sentir bem. As mulheres lidam muito mal com a própria solidão, que é sinônimo de fracasso. Isso não é ser contra o amor. Uma coisa é conhecer alguém legal que te faz pensar que vale a pena ter uma relação amorosa. Outra coisa é precisar encontrar alguém para ficar bem. Esse desespero de arrumar alguém vai crescendo com o decorrer do tempo. A sensação de que você está indo para um lugar ruim da prateleira. Muitas se casam mais com o casamento do que com o parceiro, e não é nem com os parceiros que elas têm, mas com o parceiro que elas gostariam que eles se tornassem. Então o amor vira uma aposta. E muitas persistem em relações abusivas. Uma coisa importante da prateleira do amor é que se nosso botão de vulnerabilidade é se fazer escolhida, então também nos subjetivamos umas em relação às outras pela rivalidade: eu quero brilhar mais para ser escolhida ou para apagar o brilho da outra. E quem lucra com isso são os homens. Isso também faz parte do descentramento do dispositivo amoroso: criar outras possibilidaes de fruição e investimento na vida e outras formas de se alimentar afetivamente, como em amizades com outras mulheres.

MC A dinâmica do relacionamento monogâmico reforça essas desigualdades entre homens e mulheres?
VZ 
O relacionamento monogâmico é uma injunção, uma prescrição para as mulheres e não para os homens. Para os homens existe a poligamia consentida, velada mas eficaz. Numa pesquisa sobre ciúmes que estou orientando, é muito comum que mulheres traídas perdoem os homens e se responsabilizem por isso. Já o contrário não acontece. Existe uma permissividade com essa poligamia consentida. A monogamia das mulheres, sim, é um preço importante para a relação.

MC Como superar essa carência por aprovação masculina? Como relacionar-se de uma forma mais saudável?
VZ 
Existem formas que descentralizam esse dispositivo amoroso. O conhecimento é o primeiro deles. Ler, estudar, de preferência em grupo de mulheres, que ajudem a pensar e enxergar no nosso comportamento e pensamento determinados estereótipos, se conscientizar. O segundo é uma psicoterapia de uma perspectiva feminista e de gênero. Terceiro, participar de grupos psicoterapêuticos com outras mulheres porque é muito comum que ocorra a técnica de espelhos. Pela fala da outra consigo nomear coisas em mim que eu não tinha consciência.

Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2021/02/na-nossa-cultura-homens-aprendem-amar-muitas-coisas-e-mulheres-amar-os-homens.html

A psicóloga Valeska Zanello lança livro para ajudar a compreensão dos relacionamentos e destaca a vida amorosa das mulheres

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A psicóloga e filósofa Valeska Zanello está lançando o livro “A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações”, Editora Appris, para ajudar na compreensão das relações amorosas. Os conteúdos visam especialmente as mulheres que, constantemente, se queixam de suas vivências na vida amorosa.

Claro que queremos saber os motivos. Para isso, conversamos com a Valeska.

A metáfora “prateleira do amor” exemplifica os diferentes modos de amar que mulheres e homens aprendem na nossa cultura.

Valeska Zanello tem mais de 20 anos de experiência em clínica e pesquisa em psicologia e explica que as mulheres são maioria em tratamentos para ansiedade e depressão. E que não é possível falar de saúde mental sem falar de gênero.

“É muito comum que mesmo uma mulher bem-sucedida profissionalmente, com dinheiro, com fama, seja questionada antes de qualquer coisa sobre a sua situação amorosa: ‘Casou? Tá namorando? Quando se separou? E aí, tem um paquera?’, explica a psicóloga.

“A sociedade prepara os meninos para a vida e as meninas para o amor”.

Após os 45 anos de idade, entrando na meia idade, as mulheres enfrentam dificuldades ainda maiores. Elas começaram a falar e a chamar a atenção sobre os desafios da idade madura para as mulheres, como a sexualidade, o trabalho, a invisibilidade, o envelhecimento, e abriram o debate sobre o assunto.

A VIDA AMOROSA DAS MULHERES TÊM MAIS DESAFIOS NA MATURIDADE

Essa é a nossa conversa com a psicóloga e filósofa Valeska Zanello:

Psicóloga Valeska Zanello fala sobre a vida amorosa das mulheres
Psicóloga Valeska Zanello fala sobre a vida amorosa das mulheres no livro: “A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações”.

Porque os relacionamentos costumam mudar na meia idade e como afetam as mulheres?

“Um dos fatores pelos quais as mulheres são avaliadas em nossa sociedade, e aprendem a se avaliar, é o ideal estético. Ele faz parte do que eu chamo de dispositivo amoroso. Visto de uma maneira muito simples: a gente aprende que o nosso valor está muito relacionado com o corpo que a gente tem, e dentro de um ideal estético que é branco, magro e jovem.

Isso tem a ver com a prateleira do amor. Importante dizer que essa é uma aposta fadada ao fracasso até para as mulheres que ocupam um bom cargo nessa prateleira. Por exemplo, imaginem a Gisele Bundchen jovem… ela vai envelhecer, vai ter um filho, o corpo vai se transformar.

Isso quer dizer que a prateleira do amor é ruim para todas as mulheres mas é pior para algumas. Em primeiro lugar para mulheres negras, porque a prateleira é racista, mas também para as mulheres velhas, mulheres gordas, mulheres com deficiência, mulheres indígenas. A velhice é tida como uma decadência da mulher. É preciso reinventar o próprio envelhecimento e ressignificar para nós, mulheres.

E mais: mulheres negras, velhas e gordas são vistas, no máximo, como alguém com quem se tem uma relação sexual, mas não se assume uma relação afetiva.”

“Na nossa cultura os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar os homens.”

Porque as mulheres são as que mais se queixam da vida amorosa?

Porque existe todo um trabalho da cultura no processo de mulherificação, que nos ensina a ser mulher, que nos coloca em um lugar de mulher baseada no amor centramento, o amor identitário para as mulheres como não é para os homens.

Essa é uma frase do livro muito importante, que diz o seguinte: na nossa cultura os homens aprendem a amar muitas coisas e mulheres aprendem a amar os homens. Não pode dar certo.

Grande parte da saúde mental ou do bem estar e da satisfação das mulheres fica centrado em um único relacionamento e a tendência é que ela seja desvalorizada em função do seu envelhecimento. É necessário se reinventar e sobretudo a aprender a se nutrir afetivamente de outras fontes e não apenas da vida amorosa.

Você diz que a sociedade prepara os meninos para a vida e as meninas para o amor. Como deveria ser a educação deles e delas?

“A educação deveria apresentar possibilidades identitárias muito diversas. Temos histórias de mulheres brasileiras muito pouco conhecidas e que se destacaram na arte, política, guerra, educação e que não são apresentadas para as meninas nas escolas. É necessário aumentar o leque identitário para que as meninas possam aprender que existem muitas formas de vir a ser mulher e de se realizar como pessoa.

Para os meninos, é muito importante também ensinar outras masculinidades . A educação não prepara só para a questão da vida, ensina a amar várias coisas, mas também ensina um tipo de masculinidade que está muito adoecido e que é pautado, sobretudo, no repúdio às qualidades consideradas femininas e às mulheres. A gente precisa pensar a educação não só como um local de informação, mas de formação, sobretudo baseado em uma ideia de uma sociedade que seja mais justa e mais igualitária.”

O que é mulheridade?

“Mulheridade é esse sentimento mas também essa identidade desse lugar em que a gente é colocada como mulher. Então, o valor da mulheridade que é baseado em ser escolhida na prateleira é o valor que te dão por você estar mais próximo ou não de um certo ideal de mulher. Na nossa cultura estar sozinha é visto como um fracasso para as mulheres em geral.”

“O ideal é que cada mulher pudesse envelhecer do seu jeito, com as suas características e, principalmente, buscando aquilo que mais a satisfaz.”

Você diz que no processo de mulherificação aprendemos que apenas somos desejáveis se algum homem nos deseja. As mulheres maduras, hoje em dia, estão mais independentes com relação a isso?

“Depende da classe social. Eu acho que numa bolha de classe média alta, classe alta, talvez haja um pouco mais de desconstrução, mas o caminho ainda é longo. Grande parte das mulheres têm muita dificuldade no processo de envelhecimento e também com a sensação, sobretudo de solidão, quando estão sozinhas. A gente tem poucas oportunidades na nossa vida para desenvolver um sentimento de intimidade com a gente mesma e aprender que estar sozinha é estar, muitas vezes, melhor acompanhada do que estar com um homem que eu chamo de “perebado”.

Está surgindo um novo padrão de mulher madura que é magra, bem cuidada e de bem com a vida. Essa pode ser uma nova fonte de angústia para aquelas que não alcançam esse novo modelo? 

“É muito importante pensar que o capitalismo sempre dá um jeito de se apropriar dos movimentos de transformação social. Então, veja, quando se fala sobre o empoderamento, que é uma palavra que eu não gosto muito, o que tem sido compreendido é se maquiar, usar uma saia assim ou assado, ou seja, é melhorar a sua posição na prateleira. Para mim, essa é uma forma de empoderamento colonizado, significa conseguir um novo lugar com um pouco de poder e prestígio, mas num jogo em que você não escolheu as regras nem o jogo.

Entendo que temos de buscar a emancipação. Mudar o jogo e essas regras é sair da prateleira. Então, a gente tem vários movimentos de subversão dessa forma preconceituosa de ver a mulher envelhecendo mas, com certeza, existe já uma tentativa de apropriação de um certo ideal.

Temos que tomar cuidado. O ideal é que cada uma pudesse envelhecer do seu modo, do seu jeito, com as suas características e, principalmente, buscando aquilo que mais a satisfaz.

O envelhecimento, estou pesquisando, principalmente para as mulheres que tem letramento de gênero, ou seja, que são feministas, que estudam o feminismo, pode ser algo libertador. Porque? Dentro da nossa cultura os homens se subjetivam, sobretudo num tipo de masculinidade que valoriza a objetificação sexual das mulheres. Então, o envelhecimento para muitas é o fim da linha. Porque nós estamos tão objetificadas que a gente acha que esse é um tipo de prestígio. Mas, para aquelas que têm letramento de gênero e consciência pode ser um momento de libertação onde, por não ser objetificada, agora sobra mais do que espaço para ter liberdade na sua vida.”

Foto de topo: Niko Shogol/Pixabay

Fonte:https://www.semprebem.com.br/mulheres-se-queixam-mais-da-vida-amorosa-do-que-os-homens/



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Livro “A prateleira do Amor”, da psicóloga Valeska Zanello.

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