EX-ARTISTA GOSPEL JOTTA A CONTA REAÇÃO APÓS CIRURGIAS DE FEMININIZAÇÃO: 'FOI COMO ME SENTIR REALMENTE VIVA'
Ex-artista gospel Jotta A conta reação após
cirurgias de feminização: 'Foi como me sentir realmente viva'
Cantora trans relembrou seu período
de descobertas pessoais em meio ao trabalho no mundo gospel e falou sobre a
atual fase, após se submeter a cirurgias de feminização corporal e facial
Por Marina Bonini (@marina_bonini)
15/03/2023 07h00 Atualizado há 10 horas
Jotta A - que conquistou o reconhecimento público por meio de seu trabalho na música gospel - se sentiu completa pela primeira vez ao se olhar no espelho após se submeter a cirurgias de feminização corporal e facial. A cantora, que assumiu no ano passado sua transexualidade, conta como foi a experiência.
"Foi um grande impacto me ver após as cirurgias, principalmente ao ver meus seios pela primeira vez. Apesar de o inchaço por conta da cirurgia ser recente, tocar no meu corpo foi como me sentir realmente viva, me sentir eu mesma. Ainda estou na fase de ficar me namorando no espelho", relata ela sobre os procedimentos que foram realizados pelo Dr. José Carlos Martins Jr, da Transgender Center Brazil, em quatro horas.
"Quando eu soube a fama do Dr. Martins com cirurgias para pacientes transexuais, tive mais confiança de que estaria em boas mãos. Sempre com muito respeito e carinho na clínica. Em nenhum momento tive medo. Não senti nenhuma dor no pós-operatório", ressalta ela, que fez os contornos da testa e ossos da face, além do nariz e do implante de próteses mamárias.
Jotta A celebra readequação de gênero em documentos — Foto: Reprodução do Instagram
As cirurgias fazem parte de um processo de autoconhecimento que começou ainda na infância e se firmou em 2020, quando entendeu sua orientação sexual. Seu primeiro passo foi adotar o nome social Ella Viana de Holanda, embora a burocracia e protocolos tenham atrasado esse processo.
"Pela falta de referência de mulheres trans no meu ciclo familiar e de amizades, eu nunca tinha visto uma mulher trans quando criança. Não sabia que era possível ser uma pessoa transexual. A única sensação que eu sentia é que eu não pertencia àquele gênero que me foi designado quando nasci. Quando eu ficava sozinha, colocava as roupas da minha mãe, me maquiava e com uma camisa na cabeça, simulava que poderia ser uma mulher. Sem mesmo saber que aquilo poderia ser real. Na adolescência comecei a conhecer pessoas LGBTs na escola, mesmo assim não haviam colegas assumidamente trans, acredito que por medo do preconceito. Meu primeiro contato com uma pessoa trans foi na juventude. Foi uma aproximação intensa porque eu já estava com uma vida formada, cômoda e inserida em um meio religioso que, a meu ver, jamais aceitaria que eu fosse uma daquelas meninas que conheci. Desde que assumi minha homossexualidade em 2020 sentia que precisava de mais. Me tornar uma mulher foi libertador e ver essa mudança no espelho é uma realização", relembra.
Fora do meio gospel, onde conseguiu uma indicação ao Grammy em 2014 com o projeto Geração de Jesus, Jotta A também encara novos desafios profissionais. Recentemente, ela lançou o álbum La Dracula, no qual imprime sua atual identidade.
Jotta A — Foto: Reprodução do Instagram
Como começou a sua história com a música gospel?
Descobri minha aptidão musical na igreja, entre os quatro e cinco anos. Aos 7 anos, gravei meu primeiro CD. Apesar de não ter sido nacionalmente veiculado, já posso considerar que a partir dali já era uma cantora profissional. Aos 13 anos, por conta própria, me inscrevi no programa de calouros do Raul Gil, o que me fez ganhar notoriedade em todo o segmento. Passei a não cantar mais apenas em igrejas do meu estado ou cidade, mas a me apresentar para multidões espalhadas pelo mundo. A repercussão do trabalho trouxe resultados como discos de ouro e platina e até mesmo uma indicação ao Grammy Latino em 2014.
Por que deixou o universo gospel?
Tive que lidar com contratos com gravadoras evangélicas desde muito cedo. E isso me deu o entendimento de que a indústria gospel funcionava como qualquer outro mercado musical. Eu tinha que lidar com contratos, empresários e responsabilidades como as de qualquer outro artista, apesar de estar um segmento restrito. Por essa razão, não via mais motivo para seguir carreira na música gospel. Acredito que música é música, independente do gênero ou segmento. E após ter me assumido ser uma pessoa transexual, eu sabia que sofreria muito preconceito e que não seria aceita no segmento ao qual me dediquei durante tantos anos.
Jotta A: antes e depois da readequação de gênero — Foto: Reprodução do Instagram
Como é a sua fé hoje? Acredita no mesmo Deus de antes ou mudou a sua forma de vê-lo?
Não me sinto parte de nenhuma religião, mas me considero uma pessoa muito espiritualizada. Apesar de não ter uma definição ao que é divino, sinto que através da natureza, da ternura das pessoas, dos animais e da bondade podemos nos conectar com energias boas que podem nos auxiliar nos nossos processos evolutivos como seres humanos.
No Brasil ainda há muita transfobia. Como vê isso?
A transfobia já é algo estrutural, assim como o racismo. Ainda temos muito caminho a percorrer até repararmos tudo isso. Acho que a minha maior militância é viver e amar. A opinião das pessoas sempre vão divergir, ainda mais com a precariedade que temos de educação no nosso país. Porém, por meio das nossas próprias realidades podemos confrontar o preconceito e construir um futuro com mais respeito.
Recebeu apoio da sua família em todo esse processo de readequação de gênero?
Minha família foi a minha fortaleza. Eu nunca fui de muitos amigos, sempre preferi manter minha vida privada. E uma das primeiras pessoas para quem contei que eu era uma pessoa transexual foi a minha irmã Lanna. Ela automaticamente me acolheu como uma irmã caçula. Foi lindo ver meus sobrinhos me chamarem de tia a partir do momento em que me apresentei como eu realmente era para eles. Meus pais me respeitam. Minha mãe me chama pelo meu nome atual de registro, Ella. Me sinto acolhida e fortalecida.
Jotta A — Foto: Reprodução do Instagram
Como foi a escolha do nome e qual o sentimento que teve após ser reconhecida no seu RG pelo gênero que se identifica?
A escolha do nome acho que é um sentimento muito pessoal. Eu sempre fui fã de jazz, blues e gospel. E a artista consagrada Ella Fitzgerald foi uma das inspirações para a escolha do meu novo nome. Tive a sorte de ser bem atendida pelo cartório da minha própria cidade de nascimento, em Guajará-Mirim. O processo de solicitação de documentos foram praticamente todos via online.
Teve um trabalho psicológico antes de realizar as cirurgias?
Sempre tive acompanhamento terapêutico com meu psicólogo. Tenho certeza que isso foi o que mais me encorajou à não desistir de viver meus sonhos.
Tem ainda outras cirurgias que pretende fazer num futuro?
Tenho vontade de fazer outras cirurgias, mas por enquanto prefiro compartilhá-lhas apenas após o resultado. Mas com certeza espero estar em boas mãos novamente.
Como sua readequação tem impactado no seu estilo musical?
Acredito que o fato de trabalhar com a música desde a infância me deu uma flexibilidade muito grande de entender todos os estilos. Sempre estudei desde o pop ao soul. Todas as minhas músicas no gospel eu mesma escrevia e agora também continuo tendo a oportunidade de ter autonomia na minha própria arte. Tenho muito a aprender, o mercado se reinventa a cada dia, e eu gosto de estar sempre antenada ao novo.
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