Excesso de pornografia pode causar compulsão Editoria de Arte
'Eu precisava pensar em pornografia para atingir o orgasmo'
Como filmes pornô estão afetando a sexualidade e a saúde mental de homens e mulheres
Por Oihan Iturbide*, El País
29/01/2023 13h51 Atualizado há 5 horas
“Antes de desistir, tive muita dificuldade em chegar. Não tive escolha a não ser fechar os olhos e pensar em uma sequência pornô para chegar ao orgasmo. De certa forma, eu usava os corpos das minhas namoradas para me masturbar." Este é um dos depoimentos coletados pelo escritor Gary Wilson em seu best-seller "Your Brain on Porn" ("Seu cérebro sob a pornografia", em tradução livre do inglês). Não é fácil encontrar pessoas que queiram falar sobre este assunto.
— Podemos distinguir entre vício em cibersexo, vício em pornografia e vício em sexo. Em suma, estamos falando de um comportamento sexual compulsivo que já é descrito como um transtorno mental — afirma o sexólogo e doutor em psicologia, José Luis García, que questiona: — Quem vai educar nossos filhos? Nós ou pornografia?
Garcia se faz essa pergunta várias vezes durante a entrevista .
— A pornografia é o manual de instruções 3.0 para relações sexuais para nossos meninos e meninas, e eles o validam como normal. Eles não têm outro modelo de comportamento sexual.
Segundo García, suas características psicológicas, físicas e sociais os tornam muito vulneráveis ao consumo de pornografia:
— Eles têm um grande desejo sexual e a atração pelo risco faz parte do DNA deles, eles querem as coisas agora! Existem condições muito oportunas para consumir — declara.
Acho que agora todos nós conhecemos muitas das consequências do consumo compulsivo de pornografia. A mesma coisa acontece com o abuso de álcool, temos informações em todos os lugares, mas sempre pensamos que "o mal" não vai acontecer conosco.
E, no entanto, acontece: "No centro [de desintoxicação] a maioria das pessoas está lá devido ao álcool ou drogas, mas eles me dizem que as orientações são as mesmas, embora logicamente às vezes me ajudasse mais estar com as pessoas com o mesmo problema". Este fragmento pertence a uma conversa privada com um jovem no Twitter. Mas ela não é a única, recebo mensagens semanais de homens que não sabem como parar sua compulsão. Que sofrem e que escondem o que vivem. Sempre digo que o estigma é o fator de risco mais relevante nos comportamentos aditivos. Isso torna impossível pedir ajuda.
Como os cachorros de Pavlov
As famílias podem garantir que seus filhos não consumam pornografia ou, pelo menos, o façam de forma responsável? Minhas amigas (este feminino é muito representativo) explicaram muitas vezes a seus filhos que esta forma de fazer sexo não é saudável, que não é real, que o uso de violência, humilhação e submissão não são aceitáveis e que, qualquer prática que se quer realizar deve ser sempre consentido. E elas estão certas, mas o que fazemos sobre o impacto que a pornografia tem na aprendizagem inconsciente? Quero dizer que, da mesma forma que o cachorro de Pavlov aprendeu a salivar ao ouvir o som da campainha, nossos filhos podem aprender a associar uma ereção a estímulos totalmente inesperados.
Não que existam muitos estudos sobre o condicionamento da resposta sexual em humanos, mas os que existem mostram que a excitação pode ser condicionada, especialmente antes de atingir a idade adulta. Há, por exemplo, um estudo que é um tanto antigo, mas muito marcante, onde se mostra como alguns homens que veem pornografia combinada com objetos comuns como um pote cheio de moedas, depois se excitam (com a correspondente ereção) apenas ao verem o pote. Não há necessidade de pornografia. O trabalho foi feito por pesquisadores americanos e publicado na revista científica Behavior Modification.
Os adolescentes se relacionam com experiências que os excitam sexualmente muito mais rápida e diretamente do que nós, adultos. Eles são muito vulneráveis (e seu circuito de recompensa está frenético!). Quando eles estão na frente da tela assistindo pessoas nuas indo e vindo, seu cérebro produz picos muito altos de diferentes hormônios , mas ao mesmo tempo eles ficam entediados com muita facilidade. É como uma montanha-russa de dopamina. Você conhece o fenômeno da "poda neural" na adolescência? Aquele que determina quais conexões neurais sobreviverão e quais serão descartadas? Bem, se nossos filhos usarem muito esse tipo de estímulo, correrão o risco de dispensar outros e seu cérebro o “registrará”.
Há outro exemplo de estudo bastante impressionante de condicionamento, desta vez com ratos. Ele foi publicado na revista científica Archives of Sexual Behavior. Os pesquisadores misturaram machos virgens na mesma gaiola com fêmeas sexualmente receptivas que já haviam sido borrifadas com cadaverina, a substância que produz o cheiro de putrefação na carne em decomposição. Como alguns de vocês devem saber, ratos evitam carne podre, é um comportamento inato. Na verdade, eles costumam enterrar seus amigos mortos. O que você acha que aconteceu com aqueles jovens peludos? Exatamente, eles acasalaram e ejacularam repetidamente, sem nenhum escrúpulo. Mais tarde, após alguns dias, os machos receberam um "brinquedo", um pequeno pedaço de madeira impregnado com cadaverina. O resultado foi o mesmo de quando receberam a madeira lambuzada de secreção vaginal (prática comum nesse tipo de estudo): mordiscaram e brincaram como fariam em qualquer outro namoro.
Outro estudo mais recente, publicado na Nature, ao invés de simplesmente mostrar imagens pornográficas para um grupo de homens com consumo compulsivo de pornografia, acrescentou um “símbolo” (uma árvore e uma cadeira) pouco antes de projetar a imagem. Depois de várias rodadas, os homens associaram consciente e inconscientemente o símbolo à excitação sexual. No final, todos eles rapidamente condicionaram sua excitação à árvore ou à cadeira. Mas o incrível é que teve um grupo de homens que não apresentou a compulsão (grupo de controle) que demorou muito mais para se ver condicionado. Em outras palavras, o usuário compulsivo de pornografia associa os estímulos em torno da pornografia mais rapidamente com sua própria excitação.
“Esses estudos nos permitem explicar por que ao desbloquear seu smartphone ou quando ouve os seus pais saírem de casa, você sente um formigueiro na virilha”, acrescenta Wilson no capítulo que dedica ao comportamento condicionado.
Não devemos subestimar a revolução que estamos vivendo na forma de vivenciar o sexo porque a experiência está sendo feita em crianças e adolescentes.
*Oihan Iturbide é biólogo clínico, mestre em Bioética e em Comunicação Científica, Médica e Ambiental.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/01/eu-precisava-pensar-em-pornografia-para-atingir-o-orgasmo.ghtml?utm_source=globo.com&utm_medium=oglobo
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