"SER MULHER, JOVEM E ABERTAMENTE LIVRE SEXUALMENTE. AÍ O TEMPO FECHA DE VERDADE" em julho 16, 2022 Gerar link Facebook X Pinterest E-mail Outros aplicativos Mesmo nos dias de hoje, há algo de podre na forma como a sociedade encara a sexualidade das mulheres livres. Transar com quem se bem entende, quando se bem entende, segue sendo motivo de maus rótulos para a maioria de nós (Foto: Silvana Martins)“Ser mulher, jovem e abertamente livre sexualmente. Aí o tempo fecha de verdade"A frase é de Anitta, mas poderia ser de qualquer mulher, e em qualquer idade. Mesmo nos dias de hoje, há algo de podre na forma como a sociedade encara a sexualidade das mulheres livres. Transar com quem se bem entende, quando se bem entende, segue sendo motivo de maus rótulos para a maioria de nós. Aqui, contamos histórias das que vivem na pele essa emancipação e as manobras que – ainda – fazem para driblar o moralismoNATACHA CORTÊZ06 SET 2020 - 06H00 ATUALIZADO EM 27 JAN 2022 - 12H43Só no ano passado, e até o fechamento deste texto, Antônia, que tem 33 anos, é designer freelancer e moradora da Zona Oeste de São Paulo, dormiu com 37 homens e quatro mulheres, “exatamente”, enfatiza. O número preciso ela só sabe porque fez questão de registrar o nome, e a data, de cada indivíduo a partir da noite de réveillon de 2019. “A verdade é que desde que iniciei a minha vida sexual, aos 17, não economizei nos encontros. Gosto muito de sexo, adoro conhecer gente e não me vejo monogâmica. Meus amigos me chamam de trepadeira por isso. Pensei: quero lembrar com detalhes de cada foda deste ano. Virou compromisso anotar tudo, fazer jus ao apelido”, conta e ri.Dandara*, de 31 anos, está na mesma levada. Não na de contabilizar seus parceiros sexuais, mas na de “dar para qualquer um”. “A verdade é que passei a vida toda me segurando por medo de ficar falada na minha cidade natal. Tive um casamento de seis anos, ‘sosseguei’ em uma relação monogâmica, mas quando me separei, queria só ser livre”, diz. Para ser livre, decidiu sair do interior de Minas Gerais e, há três anos, mora no Rio de Janeiro, onde não se priva mais de se relacionar com quem e quando quiser. “Não me sinto julgada por isso. E minha cabeça mudou também. Aprendi que da minha sexualidade cuido eu, não os outros”, continua ela, que apesar de “livre, sim”, pediu que não revelássemos seu verdadeiro nome.É que Dandara, e as outras personagens com identidades protegidas aqui, ainda têm receio que suas histórias caiam nas redes. “Uma coisa é eu sustentar minha liberdade na minha comunidade, outra é eu precisar lutar por ela numa terra de ninguém, como é a web”, explica a mineira.Em um dos hits do Carnaval de 2020, MC Ingryd canta a plenos pulmões a vontade de transar com um desconhecido: “ Vem me satisfazer / De quatro, eu jogo o rabo / Sequência de toma-toma / Sequência de vapo-vapo”. MC Rebecca manda um recado parecido em “Cai de boca”, canção explícita sobre uma garota muito afim de receber sexo oral. Anitta vai na mesma linha de suas companheiras de funk e sempre deixou claro, na música e na vida, que gosta sim de sexo e não pretende esconder isso de ninguém. Neste ano considerada uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela revista Forbes, a cantora dividiu com a publicação uma das suas maiores angústias atuais: “Ser mulher, jovem e abertamente livre sexualmente. Aí o tempo fecha de verdade”.O desejo sexual das mulheres ainda é, mesmo em pleno 2020, motivo de incômodo para a maior parte de nós. “Por quê?”– é a pergunta que não podemos deixar de fazer. Mariana Stock, psicanalista e fundadora da Prazerela, um centro de sexualidade positiva para mulheres com sede em São Paulo, arrisca a resposta: “São séculos e séculos de um referencial tóxico de sexualidade, especialmente para as mulheres. Historicamente aprendemos que o lugar da mulher no sexo é sendo objeto de desejo. E servil, mansa, domesticada. Então, a julgamos quando ela resolve seguir seus desejos. Quando decide ter autonomia com eles”."Continuamos num tempo misógino, em que o modelo aceito de mulher é a antítese da mulher-livre"Mariana StockA psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo é uma das principais pesquisadoras da vida sexual dos brasileiros. Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), ela aposta em uma segunda revolução sexual que atinge o mundo ocidental: “Protagonizada por mulheres jovens e que traz a liberdade como assinatura”.Segundo Carmita, nos últimos 50 anos praticamente tudo mudou para as mulheres quando o assunto é sexualidade. “A idade da primeira transa, a questão da exclusividade afetiva que se abalou, a liberdade de escolher quando e com quem se relacionar, a diversidade e a possibilidade de experimentação”, completa. Depois, destaca: “Há a separação de sexo de afeto; sexo de vínculo; sexo de intenção de construção de núcleo familiar. A situação vista assim, de forma tão delineada como agora, é novidade para a maior parte das mulheres”.Aos 35 anos, construir família é, “sem dúvida”, nenhuma preocupação para Ilda Martins, que cresceu com a ideia muito fixa na cabeça, mas que se viu livre dela conforme foi se “conhecendo melhor”. “Minha mãe precisou casar, ter filhos, ficar com apenas um homem por décadas. Por um tempo achei que seria meu destino. Mas cresci em um mundo diferente do dela e, ser monogâmica, heterossexual ou recatada não me faz o menor sentido neste momento”, diz ela, brasileira que mora em Londres desde 2014.Ilda conta que na capital britânica nunca sentiu “o mau estigma da mulher vadia, que transa com qualquer um”. “Porém, sei que vivo numa bolha em tempos nos quais os valores conservadores estão fortalecidos. Meus amigos são modernos, livres, bissexuais. E, entre nós, dormir com diferentes parceiros não é algo sequer problematizado. Gozo de privilégios e me sinto protegida ao lado deles. Penso em como poderia me sentir desarmada em outro contexto. Por exemplo, se a minha sexualidade livre fosse exposta em grupos de família no WhatsApp”, reflete.Em fevereiro de 2011, a jornalista Nádia Lapa fez seu primeiro post no blog Cem homens, onde se comprometeu a registrar com detalhes seus pEntusiasmada com os relatos de Nádia, Valentina também começou um blog. Mulher gosta, sim, que nasceu em 2012 e trazia histórias quentes, e anônimas, suas e de amigas, ficou apenas um ano no ar. “Mas foi tempo suficiente para eu provar do melhor e do pior de me mostrar como uma mulher livre”, diz ela, que recebeu, em uma só semana, mais de 600 comentários, sobre seu primeiro anal. “Era um texto em que eu dizia o banal do assunto. Nada muito escandaloso, nada depravado. Apenas uma universitária assumindo que havia curtido dar o cú. Bastou para a minha reputação ganhar os holofotes da cidade inteira”, recorda.Valentina leu cada um dos comentários naquele texto, respirou fundo, chorou por meia hora no travesseiro, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. “Claro que o julgamento me pegou um pouco, mas eu estava preparada para não me deixar abalar pelo machismo. E consegui. O caos habitou minha cabeça por dois dias. Passado o tumulto, continuei transando com quem eu queria, sempre que queria.” O blog foi fechado um mês e vinte textos depois da publicação do “relato anal”. “Estou escaldada do mau que uma reputação inadequada pode causar a dona dela num lugar como a internet”, justifica a paranaense que também pediu que sua identidade fosse protegida nesta reportagem.Mulheres livres sexualmente ainda assustam, desafiam os padrões que fomos acostumadas a seguir e por isso são alvo de tanto julgamento. “Continuamos num tempo misógino, em que o modelo aceito de mulher é a antítese da mulher-livre. A grande maioria de nós passa a vida na construção de uma identidade socialmente aceita. Há pouco espaço de reflexão e diálogo sobre sexualidades mais saudáveis e potentes. Com isso, repetimos a fórmula da mulher-objeto, aquela que é boa de cama para o outro, mas não é boa de cama para si”, conclui Mariana Stock.róximos cem sexos. “Era divertido: transava e escrevia – duas das coisas que mais gosto de fazer. Infelizmente, à medida que o blog ficava popular, os xingamentos apareciam. Diziam que eu era homem (lógico! Para alguns, mulher não pode gostar de sexo), que espalhava DSTs por aí (como se elas fossem exclusividade de quem tem muitos parceiros). Pronto. Meu blog então era conhecido e minha vida, um inferno. Até na imprensa fui alvo de piada. Um grande portal me chamou de ‘nova Bruna Surfistinha’. Nos dias em que o blog era notícia, recebia tantos acessos que ele saía do ar. ‘Se mata, garota’, ‘Lixo humano’ e ‘vagabunda’ são exemplos das mensagens que eu recebia. Milhares delas”, escreveu Nádia em 2012 em uma coluna para um jornal.Na época, Valentina*, então com 21 anos e estudante de filosofia em Maringá, cidade no interior do Paraná, lia Nádia. Sabia que a jornalista pagava um alto preço moral por expor sua vida íntima à toda internet, mas sabia ainda o quanto os seus textos ajudavam na estima de garotas como Valentina, “entusiastas de sexo com qualidade e frequência”. “Minha sorte é que uma prima mais velha, e feminista, me alertou desde cedo que eu podia sim curtir transar, e que o sexo deveria ser gostoso não só para os meus parceiros, mas especialmente para mim”, conta. “Encontrar os textos de Nádia foi como encontrar uma versão de mim mais velha e empoderada”, emenda.Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Amor-e-Sexo/noticia/2020/09/ser-mulher-jovem-e-abertamente-livre-sexualmente-ai-o-tempo-fecha-de-verdade.html Comentários
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