Por que as mulheres estão tão infelizes, frustradas e insatisfeitas com suas vidas amorosas e sexuais?
Mesmo sendo um problema generalizado, é difícil entender essa verdadeira epidemia de insatisfação amorosa e sexual
Há mais de trinta anos tenho buscado compreender os sofrimentos e desejos das mulheres brasileiras, tendo como foco principal os relacionamentos afetivos e sexuais contemporâneos. A minha preocupação como pesquisadora é reflexo de uma questão existencial mais complexa.
Por que é tão difícil ser feliz a dois? Por que as relações amorosas e sexuais naufragam ou se tornam burocráticos, sem prazer e sabor? Por que o desejo e a atração sexual diminuem drasticamente ou acabam durante o casamento? Por que homens e mulheres, casados e solteiros, jovens e velhos, parecem tão frustrados, infelizes e insatisfeitos com suas vidas amorosas e sexuais? Por que tantas mulheres se sentem sozinhas dentro de relacionamentos sem intimidade?
Apesar de inúmeras pesquisas, artigos e livros publicados, ainda não consegui descobrir os segredos dos raros relacionamentos amorosos e sexuais que “dão certo”, enquanto a maioria dos casais que tenho pesquisado vive uma profunda insatisfação conjugal. As queixas se multiplicam e as respostas não aparecem. A busca de terapias tradicionais ou alternativas cresce criando um mercado de infelicidade bastante rentável. Livros de autoajuda vendem, aos milhões, ensinando que o sucesso é ser feliz. Remédios milagrosos prometem a felicidade e o prazer instantâneos. Encontros virtuais substituem a difícil convivência de um casal. Cada vez mais, a grande imprensa, as mídias sociais e as telenovelas debatem a infelicidade amorosa.
Apesar da evidência de um problema generalizado, ainda são poucos os estudos científicos que ajudam a compreender essa verdadeira epidemia de insatisfação amorosa e sexual. Muitos acreditam que a exacerbação do individualismo e a reivindicação de espaço e de realização pessoal têm dificultado bastante qualquer possibilidade de tolerância necessária para uma convivência pacífica dentro de quatro paredes.
Não existe muita clareza do que é considerado normal ou desviante, certo ou errado, saudável ou tóxico nos relacionamentos atuais. Ao mesmo tempo em que sobrevive o modelo de família nuclear (mãe, pai e filhos), a realidade nos mostra novas formas de arranjos conjugais inimagináveis até recentemente. O mesmo ocorre com os modelos de masculinidade e feminilidade. Nunca, como hoje, homens e mulheres foram tão parecidos e, ao mesmo tempo, tão distantes em termos de comportamentos, visões de mundo e desejos.
As divisões sexuais do trabalho doméstico continuam pendendo muito mais para o lado da mulher. Os homens, quando muito, “ajudam”. Não podemos culpar somente os homens por este foco de resistência às mudanças de papéis e responsabilidades familiares e domésticas, não é verdade?
Uma resposta frequente que escuto para essa dificuldade de convivência é que a maior autonomia e independência feminina resultaram em uma tripla ou quádrupla jornada de trabalho. As mulheres, cada vez mais exaustas e sem tempo para cuidar de si mesmas, passaram a escolher com muito mais atenção os seus parceiros afetivos e sexuais. Quanto mais independente economicamente e psicologicamente é a mulher, mais exigente ela se torna com o seu parceiro amoroso e sexual.
O momento que vivemos demonstra que não são poucas as mulheres que podem escolher mais livremente um relacionamento de acordo com os seus desejos. Muitas não querem mais casar e ter filhos a qualquer preço. Outras preferem viver sós a serem infelizes dentro de casamentos insatisfatórios, têm mais medo da solidão a dois do que da vida sem um marido.
Por outro lado, também é possível observar mulheres que preferem largar o trabalho e se dedicar integralmente a cuidar da casa, dos filhos e da família. Apesar dos preconceitos, elas têm a coragem de abrir mão da realização profissional porque se sentem mais felizes investindo na vida doméstica e familiar.
Outro problema que aparece nas minhas pesquisas é a excessiva valorização da sexualidade presente na sociedade brasileira que obriga as mulheres, inclusive as que estão casadas há décadas com o mesmo homem, a sentirem atração e interesse sexual por seu parceiro como se fossem dois jovens amantes apaixonados. Percebo que muitos casais que poderiam ser felizes, como amigos e companheiros, sentem-se bombardeados pelo imperativo do sexo e passam a questionar a própria felicidade conjugal, comparando-a com a de outros casais imaginários. A fantasia parece mais real do que a própria realidade e a sensação de que estão longe da felicidade ideal provoca muita frustração e insatisfação.
Parece estranho que na sociedade contemporânea valores tão antagônicos convivam e, exatamente por isso, os conflitos e as tensões são cada vez maiores. Como escolher o próprio caminho amoroso e sexual com um cardápio tão amplo de novas e velhas possibilidades de “ser mulher”?
Fonte:https://vogue.globo.com/sua-idade/noticia/2022/04/por-que-mulheres-estao-tao-infelizes-frustradas-e-insatisfeitas-com-suas-vidas-amorosas-e-sexuais.html
Comentários
Postar um comentário