SEXO ANAL PEDE CONSENTIMENTO,PACIÊNCIA E - POR QUE NÃO AUTOCONHECIMENTO

 

Sexo anal pede consentimento, alguma paciência e – por que não? – autoconhecimento (Foto: Carol Yepes/Getty Images )

Sexo anal pede consentimento, alguma paciência e – por que não? – autoconhecimento (Foto: Carol Yepes/Getty Images )

Sexo anal pede consentimento, paciência e – por que não? – autoconhecimento

Há pontos de prazer na região anal, e eles podem ser tão excitantes quanto o toque no clitóris ou nos testículos, por exemplo. Aqui, sexólogos dizem o que é preciso para estimular o ânus e gozar sem dor ou medo

Em 2009, no auge do Youtube, um vídeo sobre sexo anal viralizou. Nele, a psicóloga Carla Cecarello ensinava um passo a passo para os que quisessem iniciar a prática. O bordão “ai, que susto” nasceu ali. O tutorial de Carla mais parecia uma receita de pão de fermentação natural, de tão demorado. A dica era que as tentativas fossem feitas ao longo de alguns dias, primeiro conhecendo a região, depois explorando com os dedos até, finalmente, chegar na penetração. O excesso de cautela era reveladora sobre como a sociedade reage quando se trata do sexo anal: algumas vezes com medo e outras com curiosidade.

Mais de 10 anos depois que o vídeo foi criado, a reportagem conversou com Carla e perguntou se hoje em dia as dicas seriam diferentes e, de pronto, ela disse que não. “As recomendações seriam as mesmas, são informações básicas.” Ela ainda diz que havia muitos tabus, que até hoje existem, o que impede que mais pessoas pensem a respeito com naturalidade. Fora os tabus, havia o medo da dor. “É importante fazer pouco a pouco para a pessoa se acostumar com esse tipo de estímulo. Sexo anal tem que ser feito com amor e carinho, a pessoa [que penetra] precisa pensar como se fosse o dela.”

Para início de conversa, sexo, em qualquer modalidade, só faz sentido quando houver vontade e consentimento das partes envolvidas. A pressão do parceiro nunca será saudável e isso acontece com frequência em relação ao sexo anal. É o que diz a sexóloga e facilitadora tântrica Paula Fernanda para Marie Claire. O primeiro assunto que surge na conversa é justamente sobre a tensão que muitas das suas clientes sentem diante da expectativa de parceiros para que se aventurem nessa prática.“A pressão sobre as mulheres é grande para que tenham sexo anal. Acredito que é principalmente pelo fato de homens terem mais fantasias sexuais com o ânus. Sempre digo para elas para não fazerem sexo apenas para satisfazer o parceiro, passando por cima de seus próprios limites.”

Quando há vontade, mas existe o medo, a conversa toma outro rumo. É importante, ela frisa, que antes de qualquer coisa conheçam o próprio corpo. “Recomendo que comecem a tocar a região anal e percebam as sessões de prazer, isso vai trazer mais segurança. E, depois, conversar abertamente com o parceiro, colocando os acordos de forma clara.”

A dica, afinal, não é muito diferente daquela dada por Carla, pois além do autoconhecimento, outro ingrediente fundamental é a paciência e há um motivo fisiológico para isso. O ânus possui dois músculos em formato de anéis que controlam os movimentos de contração e relaxamento, os esfíncteres. A região tem um interno e outro externo. Temos controle sobre o músculo externo, já o interno normalmente permanece contraído, relaxando no momento da evacuação, por exemplo. Esses músculos sofrem contrações involuntárias, na forma de reflexo e conseguir relaxá-los pode ser um desafio. Se um dedo ou o pênis se aproxima, é comum que o músculo retraia, é onde o “ai, que susto” de Carla aparece.

Estar relaxada é um fator fundamental para que seja prazeroso. “Se houver penetração sem que a pessoa penetrada esteja preparada física e emocionalmente, pode acontecer de ficar traumatizada, ter uma péssima experiência ou até ocasionar alguma lesão anal.”

Se para os homens, o prazer está em parte ligado ao estímulo da próstata, para as mulheres, no sexo anal é a fricção na esponja uretral, também conhecida como “Área G” ou “Ponto G” que produz o prazer. Mas o que é isso? A esponja uretral é um tecido esponjoso situado na parede superior do interior da vagina. E ela garante que o orgasmo pode ser tão ou até mais intenso para as mulheres. “Conforme o ângulo da penetração, se friccionar esta área, pode ocasionar orgasmos vaginais e até ejaculatórias para algumas mulheres.”

Além da uretral, existe também a esponja perineal, localizada na parte inferior da vagina, que Paula chama de “espelho do Ponto G”, também mais ou menos entre meia e uma falange de profundidade. Ela conta que muitas mulheres quando começam a tocar a esponja perineal, a sensação é que irão evacuar, uma falsa impressão, afirma. É possível estimular o ânus pela vagina tocando a esponja perineal. Mas como? Com o dedo em forma de gancho para baixo puxando de dentro para fora. Essa seria uma maneira de conhecer o prazer que a região pode proporcionar. O ideal é que as duas áreas sejam estimuladas ao mesmo tempo, o que é facilitado com a penetração.

“Conforme o ângulo da penetração, pode-se estimular a Área G, ou seja, a esponja uretral e a esponja perineal simultaneamente.” O prazer também é resultado das várias terminações nervosas no ânus. E a dor? Seria da sensibilidade diante das terminações nervosas, mas principalmente por conta da tensão. Penetrar sem que o ânus esteja relaxado é um mau negócio e provavelmente irá causar dor. Outra dica bastante importante é muito lubrificante. Lubrificante nunca é demais, dizem por aí.

O relaxamento e a confiança são componentes necessários. E como estar relaxada? “Quando a mulher recebe estímulos suficientes, consegue relaxar os esfíncteres e sentir as sensações de prazer”.

A programadora Bianca M., 31, conta sua experiência com o sexo anal. De início, o medo era a impressão que imperava. “Eu sempre pensei que fosse algo muito doloroso, porque já havia escutado relatos de algumas amigas que tinham tentado fazer e não conseguiram.” Nem passava pela sua cabeça de um dia fazer. Ela perdeu a virgindade com o namorado atual e depois de um tempo, seu companheiro sugeriu que tentassem. A ideia não pareceu convidativa de início, pois havia a assombração da dor.

“Uma vez escutei de uma amiga que disse que pra fazer sexo anal, ou você conseguia fazer logo de primeira, ou nunca ia fazer porque doía tanto que você não ia querer tentar de novo.” Aquilo ficou na sua cabeça, mas em uma ocasião ela percebeu que o contato com o ânus poderia ser interessante.

“Teve uma vez que fomos transar e eu estava usando um acessório assim de roupa que acabava passando ali pelo fiofó, sabe? (ela ri) E eu percebi que a sensação poderia ser bem agradável.” E outra vez, quando estavam transando, na troca de posição, o pênis do companheiro acabou roçando a região. E ela gostou e então decidiu tentar. “Então fui tentando encaixar ali aos pouquinhos, mesmo que fosse para entrar só um pouquinho, bem o comecinho do pênis mesmo, mas, no fim, acho que consegui colocar tudo meio que de primeira assim. E não achei o fim do mundo como diziam.”

Depois disso, o prazer anal entrou na rotina sexual dos dois.  Quando ambos estão no ápice da excitação e próximos de gozar, fazem, sempre de lado, detalha, e algo rápido. “Pelo menos para mim, precisa estar mais assim no ápice da excitação, sabe? Porque, senão, o movimento de vai e vem pode incomodar, pode acabar dando uma sensação estranha. O movimento que ele gosta não é exatamente aquele que é mais prazeroso para mim, é bom de fazer, mas tem que ser algo mais rápido.”

Já a assessora de imprensa Carolina N., 25, que é bissexual, teve apenas a experiência de penetrar outras mulheres. A única vez que praticou sexo anal foi com outra jovem que conheceu no Bumble (aplicativo de relacionamento). Trocaram nudes, marcaram um encontro para tomar um drink e acabou rolando. Ela já teve outras experiências penetrando mulheres, mas nunca tinha feito sexo anal. “Foi muito legal, tudo muito natural, ela me deixou super confortável. Ela também estava. Eu gostei, fizemos com brinquedos, com dildos.” No começo, Carol utilizou uma calcinha com dildo, mas achou a experiência muito estranha. “Foi muito esquisito usar cinta e ter um membro fake ali que eu não tenho. Eu não curti, então continuamos com eu fazendo a penetração com o dildo na mão mesmo.” Ela conta também que gostaria de ter mais experiências e que nunca nenhum homem deixou que ela penetrasse.

Além da sexóloga Paula, Marie Claire conversou com o sexólogo somático Tiago Brumatti pedindo dicas para a experiência.

Marie Claire Qual o passo a passo você para iniciantes?
Tiago Brumatti Estímulos, preliminares, estímulo na vulva para relaxar todo o assoalho pélvico, estímulos externos também, como massagem no glúteo, massagem na fenda do ânus com a lateral da mão. Para mulheres, sempre melhor de baixo para cima, para não correr o risco de levar bactérias para o canal vaginal. Ou movimentos circulares na fenda do ânus. O primeiro contato deve ser feito com a parte externa. Em seguida, pode começar tentando a introdução de um dedo com lubrificante para relaxar a região e fazer os vasos dilatarem e flexibilizando também. Existem os dildos, estimulador e plugs anais que ajudam também, são menores do que um pênis e facilitam o relaxamento. E podem ser usados como brinquedos eróticos antes da penetração.

MC Quais posições devo tentar? É mais fácil de quatro?
TB Muitas pessoas pensam que a posição de quatro é ideal, e na verdade não porque a pessoa não tem controle. O ideal seria que ela estivesse numa posição em que pudesse controlar a velocidade e profundidade da penetração, por cima, de lado ou mesmo de frango.

MC Posso trocar o lubrificante pelo cuspe ou hidratante?
TB Cuspe e a saliva dão falsa sensação de lubrificação. Eles secam rapidamente e vão perder o potencial de lubrificar a região. O ânus não tem lubrificação própria. É uma área muito sensível e a sensibilidade pode trazer fissuras, rachar a parede interna do ânus. Já o hidratante pode alterar também o Ph (causando irritação e coceira) e trazer problemas de ruptura do preservativo. O mais indicado é o lubrificante à base de água, que não irá romper o látex.

MC E o óleo de coco?
TB Não é indicado porque ele reage com o látex e pode estourar o preservativo. A única indicação são os lubrificantes à base da água.

MC Falando nisso, posso abrir mão do preservativo se tenho parceiro fixo?
TB Nunca. Lembrando: o sexo anal deve ser feito sempre com preservativo, mesmo que em uma região monogâmica. O ânus tem muitas terminações nervosas e pode facilitar as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), sem falar que a região contém muitas bactérias. E devem sempre lembrar de trocar a camisinha se o casal for passar do sexo anal para o vaginal ou vice versa.

MC Fazer a chuca (lavagem anal) a longo prazo, pode trazer complicações?
TB Sim, pode alterar a flora intestinal (quando há diminuição das bactérias boas do intestino e pode haver uma dificuldade de absorver nutrientes) e trazer diversos malefícios, sim. A chuca ou a lavagem do reto tem que ser feita com bastante moderação. E é importante lembrar de colocar pouca água para não ir para o intestino e de repente trazer bactérias para o reto. Tem muitas pessoas que não precisam fazer porque o reto está limpo, dependendo da dieta que fazem. Se ingerem mais fibras, as fezes têm mais consistência e isso já faz uma limpeza por si só. Uma alternativa é usar algodão ou lenço (umedecido) sem álcool e sem cloro após o banho.

MC Se tenho hemorroidas, estou fora do jogo?
TB Existem dois pontos de vista em relação às hemorróidas. É importante entender se elas estão inflamadas, sangrando. Nessa situação, o sexo anal não vai ser benéfico, vai ser prejudicial porque vai causar uma fricção e trazer dor. Se as hemorroidas não estão com vasos dilatados ou inflamados, é importante a pessoa ter consciência de quando está recebendo a penetração se não está machucando a região, se está bastante lubrificada. E não, as hemorroidas não tiram você do jogo da prática do sexo anal.

MC Mesmo depois de todas as dicas, eu não consigo relaxar. Devo desistir?
TB A pergunta certa é: para quem é o sexo anal? Se é para você explorar o seu corpo, teu prazer, eu super recomendo que conheça técnicas de respiração, toque mais o ânus durante o banho, porque é uma região que envolve muitos tabus e também uma anamnese sensória (pouca recordação da sensação da área), por não ser uma região muito tocada. Normalmente, tocamos o ânus apenas para limpá-lo e mesmo assim tem um papel entre a mão e o ânus, perdemos o contato com essa parte do corpo. Mas se mesmo assim, você não consegue relaxar, não faça! Porque assim você pode entrar em um lugar de detrimento do seu prazer para agradar o parceiro. E isso pode ser ruim e traumático.

MC Posso recorrer a anestésicos locais?
TB Não indico o anestésico porque ele tira a sensibilidade. A pessoa não vai sentir a região e se ela não sente ela pode ter um sexo que ela não percebe a intensidade, isso pode trazer problemas depois e machucar o reto. Por mais que seja prazeroso no início, porque o corpo está anestesiado, no outro dia ela pode colher dores e inflamações.

Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Sexo/noticia/2021/09/sexo-anal-pede-consentimento-paciencia-e-por-que-nao-autoconhecimento.html




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