Condenação de Harvey Weinstein mostra importância do #MeToo
Fundadora do movimento afirma que condenação do diretor 'envia uma mensagem poderosa'
26.fev.2020 às 14h13
NOVA YORK | THE NEW YORK TIMES
Muitas de suas acusadoras estavam se preparando para uma absolvição. Procuradores públicos de outras regiões dos Estados Unidos vinham questionando a decisão de Cyrus Vance Jr., o procurador público do distrito de Nova York, de apresentar acusações.
Mas ao estender as fronteiras dos processos por crime sexual, os procuradores públicos de Manhattan obtiveram o que muita gente definiu como uma vitória para o movimento mundial contra os delitos de conduta sexual que as ações de Harvey Weinstein ajudaram a deflagrar.
“É um teste perfeito sobre o que acontece quando uma cultura começa a mudar”, disse Deborah Tuerkheimer, professora de Direito na Universidade Northwestern.
Ao longo do caminho, uma das acusadoras teve de ser excluída do caso, em meio a acusações de conduta policial indevida. As vítimas centrais reconheceram ter feito sexo consensual com o produtor de Hollywood, depois que foram atacadas por ele, e uma admitiu que manteve um relacionamento íntimo com Weinstein que se estendeu por diversos anos.
Procuradores públicos raramente levam casos a julgamento nessas circunstâncias, porque elas são consideradas complicadas demais para obter condenações. Os advogados de Weinstein argumentaram a cada passo que ele era vítima do movimento #MeToo, e que este teria ido longe demais.
O veredicto do júri não foi inteiramente favorável às acusadoras. Weinstein foi considerado inocente de duas acusações de agressão sexual predatória, as duas mais sérias que pendiam contra ele. O júri indicou nesta sexta-feira (21) que havia chegado a um impasse sobre elas.
“Não estamos falando de um caso em que o mote tenha sido acreditar em todas as mulheres, ou acreditar em tudo que as mulheres estivessem dizendo”, disse Isabelle Kirshner, ex-procuradora pública em Manhattan que se tornou advogada de defesa e representou homens acusados de agressão sexual. “Parece que foram bem cuidadosos em suas decisões”.
Mas a promotoria convenceu o júri a condenar Weinstein por duas acusações de agressão sexual criminosa –o que pode resultar em uma sentença de prisão de até 29 anos. Isso sugere que a prestação de contas não se limitará ao tribunal da opinião pública e se estende aos tribunais criminais.
Na segunda-feira (24), algumas das mais de 90 acusadoras de Weinstein e outras pessoas do mundo reagiram ao veredicto com alívio, lágrimas e gratidão por a lei ter falado em nome delas.
“Essas mulheres acreditaram por muito tempo que ele era intocável e que jamais seria responsabilizado por seus atos, mas agora o sistema de justiça criminal o considerou culpado”, disse Tarana Burke, fundadora do movimento #MeToo. “Isso envia uma mensagem poderosa”.
O movimento #MeToo ajudou a propelir a acusação. Vance, o secretário estadual da Justiça, havia sido criticado por decidir não processar Weinstein em 2015, depois que uma modelo italiana se queixou à polícia de que o produtor havia agarrado seus seios e tentado enfiar a mão em sua saia. E algumas das acusadoras de Weinstein, que não haviam procurado a polícia anteriormente, se dispuseram a participar do processo criminal, se isso significasse apoiar e proteger outras mulheres.
“Eu só quero acrescentar minha voz em apoio, e compartilhar minha experiência, na esperança de ajudar qualquer pessoa” que tenha sido vítima de Weinstein, disse Miriam Halsey, antiga assistente de produção em filmes produzidos por Weinstein, no banco de testemunhas.
“Eu o fiz por todas nós”, disse Dawn Dunning, que foi testemunha corroborativa no julgamento, em entrevista na segunda-feira. “Eu o fiz pelas mulheres que não podiam testemunhar. Não podia deixar de fazê-lo”.
Joan Illuzzi, que comandou a equipe de procuradores responsável pela acusação, não ofereceu muitas provas forenses ou depoimentos diretos de testemunhas para provar os delitos. Em lugar disso, sua equipe lutou por estabelecer um padrão de comportamento predatório da parte de Weinstein, chamando quatro mulheres a depor como testemunhas sobre histórias semelhantes de estupro ou abuso por parte do acusado.
Esse tipo de testemunho corroborativo se provou crucial no processo bem sucedido contra Bill Cosby em 2018. No julgamento de Weinstein, elas ofereceram depoimentos muito mais importante do que a soma de suas partes, e refletiram o poder coletivo das mulheres que serve de cerne ao #MeToo.
Por décadas, Weinstein recorreu a advogados de alto preço e a acordos sigilosos para silenciar mulheres que o acusavam de delitos de conduta sexual. Mas durante o julgamento, iniciado no começo de janeiro, foi ele que não pôde falar. A conselho de seus advogados, o produtor não depôs. Em lugar disso, ouviu o testemunho de seis mulheres sobre o que fez com elas.
Muitas das mulheres descreveram ter sofrido humilhação por parte do produtor. Enquanto falavam, era Weinstein que muitas vezes parecia humilhado. Em dado momento, enquanto uma das acusadoras, Jessica Mann, descrevia seus órgãos genitais, ele baixou a cabeça.
Para rebater as acusações, Weinstein e sua equipe legal tentaram enfatizar a mensagem de que o movimento #MeToo havia escapado ao controle.
No dia em que foi preso, ele chegou à delegacia em TriBeCa, um distrito de Manhattan, carregando uma biografia do cineasta Elia Kazan, que foi vítima do macarthismo.
Weinstein mudou de advogado diversas vezes, antes de enfim optar por Donna Rotunno, uma profissional de Chicago que estruturou boa parte de sua defesa em forma de um ataque mais amplo ao #MeToo.
Rotunno argumentou que os encontros sexuais de Weinstein eram consensuais, que suas acusadoras estavam mentindo para se tornarem celebridades, que as mulheres não estavam assumindo a responsabilidade por suas seguranças, que os homens eram as verdadeiras vítimas, e que o movimento #MeToo os havia privado de seus direitos fundamentais.
Em entrevista ao The Daily, Rotunno disse que jamais havia sido vítima de agressão sexual porque jamais havia se colocado “naquela posição”.
No seu argumento final, a advogada criticou o que definiu com o “um universo que priva mulheres adultas de senso comum, autonomia e responsabilidade”.
Mas o júri parece ter rejeitado esse arrazoado. O veredicto contra Weinstein pode se provar um ponto de inflexão simbólico, disseram especialistas em assuntos legais, mostrando que crimes sexuais nem sempre se enquadram a padrões claros e mudando as percepções do público quanto a que vítimas merecem ser ouvidas.
O veredicto cria esperança de que possamos ter “um sistema de justiça criminal que reflita a realidade da violência sexual”, disse Fatima Goss Graves, presidente do National Women’s Law Center.
A equipe legal de Weinstein já disse que recorrerá das condenações, por estupro e atos sexuais criminosos.
O produtor também está enfrentando outro processo criminal em Los Angeles, que envolve acusações de estupro de uma mulher e agressão sexual contra outra.
Jane Manning, antiga procura pública em Queens e fundadora do Women’s Equal Justice Project, disse esperar que o caso de Weinstein inspire outros promotores dos Estados Unidos a levar adiante casos igualmente desafiadores.
“É assim que cultivaremos as capacidades necessárias a conduzir esses processos com sucesso”, ela disse. “Precisamos que os procuradores públicos mostrem coragem”.
Tradução de Paulo Migliacci
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