LESBIANIDADE : UMA FORMA DE RESISTÊNCIA ?

Marcha das Vadias Rio de Janeiro 2013. Foto de Natássya Carvalho no Facebook.

Lesbianidade: uma forma de resistência


Texto de Jully Soares.
LÉSBICA.

1° Semana de Blogagem Coletiva pela Visibilidade Lésbica e Bissexual, organizada pelo site True Love.
1° Semana de Blogagem Coletiva pela Visibilidade Lésbica e Bissexual, organizada pelo site True Love.

Quando se deparam com essa palavra, a maioria das pessoas logo é remetida à uma outra palavra: SAPATÃO. Trazendo imagens de mulheres masculinizadas e que, sem vergonha, assumem “gostar de mulher”. Não raramente, junto com essas imagens surgem também explicações de porque aquela mulher é assim. Provavelmente ela se envolveu com um homem que a magoou demais — desistindo, assim, dos amantes do sexo masculino. Ou, quem sabe, ela admira — ou inveja — tanto os homens que gostaria de ser como eles. Se for feminista, então, pronto! Ela é sapatão porque tem raiva demais dos pobres homens e, na verdade, inveja o poder que eles tem com o pênis que carregam entre as pernas.
Ah, mas com o mudar dos tempos agora temos outras imagens das LÉSBICAS — aquelas que, obviamente, não serão de maneira alguma relacionadas a palavra SAPATÃO. São as mulheres lindas que gostam de mulheres. De preferência brancas, loiras, altas, totalmente dentro dos padrões de beleza. Femininas, dóceis e amantes de mulheres.
Ou seja, prato perfeito para o desejo sexual masculino. São aquelas que aparecem acompanhadas por outras mulheres iguais a elas; aquelas que fazem sexo ou amor com outra mulher enquanto desviam o seu olhar para o olhar do homem por quem elas desejam ser olhadas. São as lésbicas que são alvo constante dos convites dos casais heterossexuais para fazer finalmente aquele ménage que eles (ele) tanto sonharam ou que já fazem habitualmente.
É interessante observar que, seja na imagem da lésbica ou da sapatão, a relação entre duas mulheres sempre é vista a partir da relação entre um homem e uma mulher que é, obviamente, “A” relação que norteia todas as outras na sociedade em que vivemos.
Assim, a lésbica é vista como uma mulher “masculinizada” (ou seja, um homem!) que se sente atraída fisicamente por outra mulher (tal qual deve ocorrer com os homens); como uma mulher que fracassou na relação que deveria ter com algum homem; como uma mulher que amou tanto os homens, que os admirou tanto a ponto de fazer tudo errado e decidiu ser exatamente como eles, se interessando por uma mulher e tentando fazê-la feliz com a sua suposta masculinidade; ou ainda como aquela que realizará de pronto todos os desejos sexuais masculinos, oferecendo mais uma mulher (uma outra, uma mulher extra) para os homens fazerem de seu objeto (objeto, mesmo) sexual.
Ora, o que todas essas imagens pretendem esconder é o que a lesbianidade realmente significa nessas sociedades que concebem mulheres como seres feitos para ficar com os homens, para servir aos homens. A lesbianidade tal qual ocorre no dia-a-dia, entre mulheres, sem o olhar opressor do patriarcado, do sexismo e do machismo torna-se, em verdade, uma força que ameaça a ordem vigente. Ameaça porque questiona uma ordem que determina que as mulheres precisam dedicar suas vidas aos homens para serem felizes e, que só assim poderão sentir-se realizadas.
Falo, nesse ponto, sobre a heteronormatividade. Aquela que, obviamente, incide sobre mulheres e homens dizendo com quem elas e eles devem se envolver e relacionar, sexual e afetivamente. Homens com mulheres e mulheres com homens — simples assim, essa é a regra. O problema da lesbianidade é que ela não só afronta a heteronormatividade enquanto recusa de uma mulher em amar um homem, em estar com um homem, como também recusa a dominação masculina que acontece exatamente na diferença de gênero — ou na diferença sexual.
Marcha das Vadias Rio de Janeiro 2013. Foto de Natássya Carvalho no Facebook.
Marcha das Vadias Rio de Janeiro 2013. Foto de Natássya Carvalho no Facebook.
Quando uma mulher escolhe ficar com outra mulher, ela envia uma mensagem de resistência, diferentemente do que o patriarcado diz, do que o sexismo diz, ela não precisa se curvar à suposta superioridade masculina, nem precisa de homem nenhum para viver, para ser feliz ou mesmo para se sentir satisfeita sexualmente.
É uma ameaça ao patriarcado porque é uma recusa às historinhas dos contos de fadas que dizem que, para sermos reconhecidas como “boas mulheres”, precisamos nos fazer princesas, encontrar o nosso príncipe encantado, casar com eles e ter filhos. E, é também uma ameaça porque se trata de uma recusa à prescrição atual, real, que diz que devemos nos enquadrar tanto quanto possível no padrão de beleza feminino para agradar os homens, para atraí-los em direção ao casamento, para ter filhos e nos dedicarmos à nossa romântica maternidade — cuidando sozinhas “dos filhos” do mundo enquanto nos esforçamos para viver como heroínas e trabalhadoras de sucesso, apesar de mal pagas.
Enquanto lésbicas (pelo menos atualmente), não temos de nos curvar ao gosto, às necessidades sexuais, afetivas, psicológicas e existenciais dos homens ou às suas preferências. Também estamos mais distantes de um amor romântico que, historicamente, amarra as mulheres aos homens, ao patriarcado, seduzindo-as tanto ao ponto de fazê-las ceder sempre um pouquinho mais e mais…
Vivenciando nossa lesbianidade, temos a chance de ser uma vez menos objeto — simples objeto — de desejo e de dominação masculina. E, diferentemente dos casais gays, feitos de homens, representamos a união (estável ou não) de duas pessoas que são vistas, individualmente, como sujeitos fracos, frágeis, inferiores, subalternos.
Além disso — e o que talvez seja ainda pior e mais ameaçador! —, nossa vivência lésbica inunda a sociedade da verdade de que as mulheres não estão o tempo todo interessadas em brigar entre si, em competir pela atenção ou pelo amor dos homens. A lesbianidade reforça a união entre as mulheres e prova que elas podem ser não só amigas, muito amigas, como também amantes. Elas podem amar uma(s) à(s) outra(s) verdadeiramente. E, esse amor pode ser, inclusive, um instrumento de sua luta, como já acontece dentro do feminismo lésbico. Desta maneira, a lesbianidade também é uma ameaça porque evidencia que as mulheres podem se unir para acabar com as hierarquias sociais que o patriarcado impõe. E, juntas, nossa resistência pode ser muito forte.
Por isso, as sociedades e o Estado seguem fingindo que não representamos nada, que somos “minorias sexuais”, ou que não somos, de fato, “lésbicas”. E, por isso, é ainda necessário promover um dia como esse, o Dia da Visibilidade Lésbica. Porque ainda precisamos mostrar que existimos e que questionamos o patriarcado como nenhum outro sujeito político pode fazer. Porque precisamos lembrar que as mulheres é que devem ser donas do seu corpo, do seu desejo — e que isso inclui exercer o direito de amar a nós mesmas, em todos os sentidos.
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Esse texto faz parte da 1ª Semana de Blogagem Coletiva pelo Dia da Visibilidade Lésbica e Bissexual, convocada pelo True Love.

Fonte:http://blogueirasfeministas.com/2013/08/lesbianidade-uma-forma-de-resistencia/

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