OS HOMENS QUE NÃO AMAM AS MULHERES


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Os homens que não amam as mulheres

Em tempos de luta contra a misoginia e o machismo é importante questionar o que é ser macho. Nem todo homem heterossexual gosta de fato de mulheres.

Quando perguntamos a um homem que se diz heterossexual se ele gosta de mulher a resposta óbvia será sim, eu gosto. Mas em tempos de protestos contra o assédio sexual (vide este vídeo abaixo que bombou na internet de uma mulher sendo assediada pelas ruas de Nova York), campanhas contra a misoginia, denúncias frequentes de mulheres violentadas em festas, vídeos de ex-namorados que expõem a intimidade de mulheres na web, dá pra perceber que “gostar de mulher” é um conceito duvidoso. A verdade é que existem homens que gostam de fazer sexo com mulheres, mas que não gostam intrinsecamente delas.

10 Hours of Walking in NYC as a Woman 




Soa contraditório. Se a minha orientação é esta, de sentir desejo por mulheres, logo gosto delas num sentido amplo do termo. Não é bem assim, não mesmo. Podemos culpar dezenas de fatores. A sociedade machista que vê a mulher como um objeto (assunto já por demais debatido e jamais compreendido em sua totalidade), o conceito de educação que cria meninos para serem homens “pegadores”, a religião patriarcal e até mesmos as próprias mulheres, acusadas muitas vezes de “não se darem o respeito”.
Quando digo que existem homens que gostam apenas de mulheres como objeto sexual, a coisa parece simples, mas não é. Há quem diga que esta é natureza dos homens, de se relacionarem com outras mulheres movidos apenas pelo desejo sexual. Mas esta não é uma questão de desejo, é uma questão de respeito humano. Em algum momento da nossa história o desejo tomou o lugar da noção geral de humanidade. Criamos religiões, sistemas de governo, produtos, cultura, tudo dentro da embalagem de que o desejo sexual cobre qualquer coisa, de que a opinião do outro (no caso da mulher) não conta. Somos forçados a pensar que um homem que assedia uma mulher o faz porque gosta, talvez um pouco demais, de mulheres, mas é o contrário. Homens com este comportamento gostam de outras coisas, mas não de mulher.
Há, dentro de nossa sociedade (e mais ainda em sociedades fundamentalistas), um conceito de gostar diferente da prática. Dele nascem homens que não veem outra função na mulher que não seja a de saciar o desejo sexual. Homens não são amigos de mulheres. Homens não aceitam ordem de mulheres. Mulheres não gozam. Mulheres querem dinheiro, não prazer. A culpa é da mulher vestida para provocar. Foi ela quem pediu. Dentro deste esquema mulheres não são forte o bastante, não têm pensamento crítico e capacidades iguais que as dos homens. Mulheres são, dentro deste ponto de vista, coisas para usar, não para “gostar”. E quando digo “gostar” estou usando um termo fácil, quero dizer respeitar e compreender. Não há homens e mulheres quando o assunto é respeito. O respeito é, por essência, uma coisa universal.
Há, portanto, homens que gostam de mulheres, mas que odeiam o gênero feminino. Homens que não gostam de fato de mulher. Afinal, como posso gostar de um gênero (feminino) apenas dentro de uma situação(sexual)? Como posso me relacionar com alguém tendo em vista apenas apenas a minha vontade e não também a do outro? Que tipo de gostar é esse que diminui o objeto gostado? Como posso dizer que sim, gosto de mulher, mas tudo o que é relacionado a elas me enoja? Não é contraditório? É, mas muita gente não percebe.
E quando digo que Fulano não gosta de mulher, há de se pensar que Fulano seja gay, mas gays não gostam de relações sexuais com o gênero feminino, fora isso não há dentre eles uma relação de depreciação da mulher. Pelo contrário. Homossexuais masculinos possuem, em geral, uma grande admiração pelo universo feminino. Diante dos olhos da sociedade machista o homem que se identifica demais com o universo feminino perdeu sua masculinidade. O feminino é uma coisa que não pode se misturar ao masculino, exceto no sexo, e mesmo nele deve ser algo menor, feito para servir. Parece assim que ser macho representa gostar de vagina, não de mulher. Não cabe aqui nem sequer insinuar as relações psicológicas que esta aversão pelo feminino podem representar. "Isso é coisa de mulher", uma frase dita como depreciação. Se o macho (machista) odeia o feminino, se tudo o que é feminino é fraco, menor e descartável, como pode o macho gostar realmente de mulher? Não é a mulher um ser essencialmente feminino? Como separar o feminino da mulher? Como é possível gostar, amar, algo separado de sua essência?
109009-22f8cec4-63c1-11e4-8f83-4f43733686cd.jpgCaras como Julien Blanc pensam que o desejo é uma coisa uniforme e que o desejo do outro, no caso a mulher, não tem forma, ou seja, são babacas.
A notícia da petição que está correndo pela internet esta semana contra a vinda de Julien Blanc ao Brasil ilustra bem este pensamento. Pra quem não conhece, Julien já foi expulso de diversos países por conta de seus cursos que pretendem ensinar homens a “pegar” qualquer mulher com um método violento. (Se quiser saber mais sobre esse cara clique no canal dele no Youtube e prepare o estômago.)
Julien se intitula um “artista da sedução” e para cumprir o que ele chama de “regras da paquera” vale tudo, desde humilhação pública (Julian exibe vídeos onde coloca a cabeça de mulheres desconhecidas em direção a seu pênis), passando por conceitos como “use sua vantagem de macho”, “use seu poder econômico” e “use coerção e força”. Julien é uma aberração, mas nem por isso um caso raro. Ele é a caricatura, cruel e bastante real, do homem que não gosta de mulher, embora faça sexo com elas. Para homens assim, mulheres são algo um pouco acima de uma boneca inflável, o sexo é algo um pouco maior do que a masturbação e relacionamentos são apenas peças de uma coleção para ser mostrada aos amigos. Se colocarmos de lado os métodos ultrajantes que Julien emprega, mesmo que fosse um "curso de paquera pacífica", existem regras universais para seduzir mulheres? Lógico que não. Nem mulheres, nem homens. Mais bem que poderiam criar um curso de respeito ao outro, isso nunca seria demais.
Não dá pra classificar todos os seres humanos dentro de uma caixa com o mesmo rótulo. Não há homens que gostam de mulheres e vice e versa, e sim existem pessoas que gostam de outras pessoas das mais diferentes maneiras: sexuais, afetivas ou ideais. As relações humanas não podem ser regidas apenas pelo gênero. Se falamos apenas das relações homem-mulher ou mulher-homem, há dentro delas uma série de possibilidades. O gostar é amplo e o afeto também. O que está em jogo é a forma de se gostar. Gostar deve sempre incluir outras coisas práticas, como humanizar, respeitar e compreender. Que não se confunda gostar com usar. Não importa o que ou quem você goste, desde que se goste do outro como um todo, e não por partes.
Dizem que somos definidos pelo que gostamos. Tá na hora de sermos definidos pelo modo que gostamos, e não pelo objeto do gosto. Gostar é manter o objeto apreciado salvo de depreciação. Quanto mais se gosta mais se respeita e se aprende a gostar. Se você não respeita o que gosta, na verdade, não gosta de si mesmo.

Por Valter Nascimento

Fonte:
© obvious: http://lounge.obviousmag.org/bibliopolis/2014/11/


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