A Dissolução do Complexo de Édipo (Der Untergang des Ödipuskomplexes) - Resenha
Resumo: A teoria psicanalítica é conhecida pelas grandes alterações que provocou na ideia que o homem faz de si mesmo. Não é a toa que costuma-se dizer que Sigmund Freud desferiu o terceiro grande golpe contra o orgulho humano (sendo os outros dois alvejados por Copérnico, ao estabelecer o Sol como centro do universo e não a Terra, e Darwin, ao postular a teoria da evolução, que caracterizaria o homem como parte de um processo comum também aos animais), ao desenvolver uma teoria que compreende o homem como um ser constituído de conflitos, determinado por desejos e pulsões inconscientes. Estava estabelecida uma imagem crua e desvelada do homem, onde sua existência e origem calcadas em processos de tensão e angústia fizeram com que a austeridade humana tomasse um ar de fabulosa surrealidade, perdendo seu lugar para a descrença em uma felicidade plena e completamente alcançável.Das considerações mais originais e revolucionárias de Freud, talvez a principal responsável por destronar o homem de seu mais alto lugar de prestígio (e por consequência, maior alvo de críticas até os dias de hoje) tenha sido sua teoria acerca do desenvolvimento sexual dos indivíduos. De uma só vez, Freud reclamou a existência da sexualidade na infância, postulou uma etapa de amor platônico da criança dirigido aos seus próprios pais, e despejou nos ombros da sociedade a culpa pela repressão de seus indivíduos na esfera sexual, resultando em consequências que o determinariam até seus últimos dias. O “complexo de Édipo”, como foi chamado por Freud em alusão à tragédia grega de Sófocles (Σοφοκλῆς), era o carro-chefe de sua teoria da sexualidade. Este complexo designa um conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob sua forma positiva, a criança dirige desejos sexuais ao progenitor do sexo oposto e deseja a morte (desaparecimento) do progenitor do mesmo sexo. Sob sua forma negativa, apresenta-se o inverso: a criança ama o progenitor do mesmo sexo e sente ódio pelo progenitor do sexo oposto. Esta importante etapa, universalmente reconhecida por Freud nas crianças, não termina por aí, e tem sua principal problemática justamente no que se refere à dissolução deste complexo, ao momento em que deixamos para trás estes desejos nesta forma específica, e seguimos nossa vida adiante após a resolução de mais este conflito. É sobre o processo de “fechamento” do complexo de Édipo e o consequente abandono dos desejos edipianos que versa este artigo de Sigmund Freud, o qual a presente resenha tenciona por explicitar.
Palavras-chave: Psicanálise, Freud, Complexo de Édipo, dissolução.
1. Introdução
“A Dissolução do Complexo de Édipo” foi escrito por Freud na forma de um artigo no início de 1924, onde pela primeira vez são considerados diferentes os caminhos tomados pelo desenvolvimento da sexualidade em meninos e meninas. O assunto viria a ser retomado posteriormente, pouco mais de um ano mais tarde, em seu trabalho entitulado “Algumas Consequências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos” [1].
Freud inicia seu artigo dando sugestões das possíveis causas da destruição do complexo à que somos comumente levados a considerar. Uma a uma, o pai da psicanálise as põe por terra e, assumindo ele próprio que não é ainda com total clareza que o percebe, chega no ponto fundamental de sua explicação para a dissolução: a ameaça de castração sofrida pela criança.
O complexo de castração [02] refere-se à fantasia proporcionada nas crianças ao se depararem com a diferença anatômica entre os sexos (presença ou ausência de pênis). Atribuir-se-á esta diferença à amputação do pênis na menina, e os efeitos desta percepção serão diferentes no menino e na menina (a partir daí já se percebe os primeiros indícios de que o desenvolvimento sexual seria tomado por Freud como essencialmente diferente entre os sexos).
O menino, ao observar a ausência do pênis na menina, e julgando que este tenha sido tirado dela, irá temer pelo seu próprio. Temerá a castração como realização de uma ameaça paterna em resposta às suas atividades sexuais, surgindo daí uma intensa angústia de castração. Já no caso da menina, a ausência do pênis será sentida por ela como um dano sofrido, dano este ao qual ela procurará negar, compensar ou reparar (Laplanche & Pontalis, 2004).
Outro fator de angústia é um notável conflito instaurado no complexo: ao mesmo tempo em que a criança ama um de seus progenitores, sente pelo outro o ódio da competição, encarando-o como um obstáculo a ser transposto para que possa atingir seu objeto. Porém, a criança não apenas odeia este progenitor com o qual compete – também com ele se identifica fortemente e nutre sentimentos ternos e de afeição (é a chamada “ambivalência”, termo cunhado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler).
Não obstante, ainda outro conflito está presente. A criança está sendo impelida para a realização de seus desejos edipianos, mas o fantasma da castração será determinante neste momento. Ele não só fará com que ela tome atitudes drásticas frente a estes desejos, como finalmente quebrará o complexo edípico. E aqui, mais uma vez, nos dividimos em caminhos diferentes entre os sexos masculino e feminino.
NOTA: Esta resenha destina-se, exclusiva e especificamente, ao artigo citado, de 1924. Isto porquê, posteriormente, Freud iria retomar este assunto ao longo de sua obra, com novas exposições de suas ideias a respeito. Sua posição em relação à dissolução do Complexo de Édipo se faria consideravelmente diferente desta aqui descrita.
2. A dissolução
A dissolução do complexo de Édipo na menina é mais “trabalhosa”, se comparada ao caso do sexo oposto, pelo fato de que o desenvolvimento psicossexual nas mulheres requer duas tarefas adicionais em relação aos homens.
No caso do menino,
“Se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse conflito, triunfa normalmente a primeira dessas forças: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo.” (Freud, 2006, p. 196 )
Na situação da menina, os dois momentos adicionais de seu desenvolvimento psicossexual e, por consequência, determinantes para o processo de dissolução do complexo edípico são a) uma mudança de zona erógena e b) a mudança de objeto sexual. Na primeira tarefa, o clitóris deve ceder totalmente ou pelo menos parcialmente sua sensibilidade à vagina. E na segunda, a menina deve realizar a substituição da mãe pelo pai enquanto objeto de sua “devoção” (em sendo a mãe a primeira pessoa amada pela criança. Evidentemente, no caso do menino, esta substituição não é necessária pois já envolve seu progenitor de sexo oposto).
O complexo de castração nas meninas se caracteriza pela inveja do pênis [3]. A menina sente a ausência do pênis em si como uma ferida narcísica, e deste sentimento surgem duas consequências diretas: a) a menina desenvolve um complexo de masculinidade, e b) (α) a menina alimenta a esperança de obter algum dia um pênis, igualando-se assim ao menino, ou (β) recusa-se a aceitar que é “castrada”, e mantém a convicção de que apesar de tudo possui um pênis (sendo este segundo fator um possível contribuinte para a homossexualidade feminina). Em decorrência, o que sucede é um progressivo afastamento da menina com relação à sua mãe. Este afastamento tem início, antes de mais nada, no luto da criança (ambos os sexos) ao lhe tirarem o seio, ainda mais intenso quando há a presença de um irmãozinho, o qual esta criança enxerga também como um rival na fantasia de que por conta dele, a mãe lhe houvesse tirado o seio precocemente para poupar o leite para o recém-chegado. Mas o distanciamento da menina para com sua mãe terá sua principal motivação na culpa que esta criança lhe atribuirá por ter sido trazida ao mundo insuficientemente dotada. O premente desejo de ter um pênis gradualmente se transforma no desejo de ter um homem, que passa a ser desejado como um “apêndice do pênis”. Em outros casos, o desejo de ter um pênis é substituído por um desejo de ter um filho, que simbolicamente representará tanto o ato sexual necessário à sua concepção (ou seja, o ato de introdução de um pênis e sua simbólica introjeção por parte da mulher) quanto o breve período onde um pênis configurou-se parte desta mulher, ou seja, durante a gestação de um bebê masculino. Diz Freud:
“A renúncia ao pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza – ao longo da linha de uma equação simbólica, poder-se-ia dizer – do pênis para um bebê. Seu complexo de Édipo culmina em um desejo, mantido por muito tempo, de receber do pai um bebê como presente – dar-lhe um filho.” (Freud, 2006, p. 198)
É desta forma que o complexo de Édipo na menina é gradativamente abandonado, visto que este desejo jamais encontra sua realização.
3. O Herdeiro do Complexo de Édipo
A teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud encontra ainda outro fator de relevância no que tange ao complexo edípico. A criança, após fazer sua escolha narcísica pelo órgão genital em detrimento de seus desejos, tem a autoridade dos pais introjetada no Ego [4]. Forma-se aí o núcleo do SuperEgo [5], que perpetua a proibição do incesto com a rigorosidade e o certo distanciamento dos pais em relação à criança, no sentido de sua autoridade que, por estes motivos, começa a se fazer compreender pela criança. Os desejos edipianos são dessexualizados e sublimados [6], em parte inibidos em sua meta e transformados em impulsos ternos. Ao fim deste processo, tem início o que Freud chamou de “período de latência” do desenvolvimento psicossexual (cujas fases são: a fase oral; sádico-anal; fálica, onde se encontra o auge do complexo de Édipo; período de latência, e fase genital, onde se encontra a puberdade). Ao falar em um período de latência, Freud não considera um “adormecimento” da sexualidade, mas sim uma transição até a puberdade, que permite a fase genital.
É desta forma que Freud perpetua o sepultamento do complexo de Édipo por conta do complexo de castração, e legitima o SuperEgo como seu herdeiro direto.
Sobre o Autor:
Daniel Augusto Marcondes de Oliveira - graduando em Psicologia pela Universidade Paulista - UNIP
Referências:
FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo de Édipo, in O Ego e o Id e outros trabalhos (1923~1925). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Editora Imago, 2006. Rio de Janeiro.
LAPLANCHE, Jean. PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise.
Editora Martins Fontes, 2004. Rio de Janeiro.
Transcrição das aulas ministradas pelo professor Valter Ferreira Perea na Universidade Paulista, pela disciplina Teorias Psicanalíticas da Personalidade, no primeiro semestre do ano de 2011.
FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo de Édipo, in O Ego e o Id e outros trabalhos (1923~1925). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Editora Imago, 2006. Rio de Janeiro.
LAPLANCHE, Jean. PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise.
Editora Martins Fontes, 2004. Rio de Janeiro.
Transcrição das aulas ministradas pelo professor Valter Ferreira Perea na Universidade Paulista, pela disciplina Teorias Psicanalíticas da Personalidade, no primeiro semestre do ano de 2011.
LAPLANCHE, Jean. PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise.
Editora Martins Fontes, 2004. Rio de Janeiro.
Transcrição das aulas ministradas pelo professor Valter Ferreira Perea na Universidade Paulista, pela disciplina Teorias Psicanalíticas da Personalidade, no primeiro semestre do ano de 2011.
Fonte:https://psicologado.com/resenhas/a-dissolucao-do-complexo-de-edipo-der-untergang-des-oedipuskomplexes-resenha
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