SAIR DO ARMÁRIO É PRECISO ? - QUEM ROTULA NOSSA SEXUALIDADE

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Sair do armário ainda é preciso?

Um ex-chefe foi o responsável por me ensinar a lidar com as diversidades, sexuais inclusive, que costumam gerar polêmica. Ele dizia: Desmistifique

Na último dia 14 de fevereiro, a atriz Ellen Page, indicada ao Oscar por Juno, participou de uma conferência da Human Rights Campaing Foundation, uma associação em defesa da causa LGBT nos EUA. Durante uma fala emocionada de pouco mais de oito minutos, Ellen discursou sobre os duros padrões a que os jovens são submetidos e sobre as dores e a coragem necessária para fugir desses padrões. Aproveitou para informar a todos que estava lá porque é gay, momento em que foi aplaudida por longos trinta e cinco segundos.
Mais cedo, um amigo me mandou uma mensagem entusiasmada perguntando se eu havia visto o vídeo. Respondi que sim, embora sem o mesmo entusiasmo. Não há como negar que atitudes como a de Ellen sejam admiradas, e, talvez, até necessárias, num mundo onde milhares de homens e mulheres sofrem diversos tipos de abuso apenas por conta de suas condições e\ou preferências sexuais. Onde jovens apanham nas ruas, são ridicularizados nas escolas, suicidam-se. Onde travestis e trânsgeneros, quando não são mortos com requintes de crueldade, mal podem encontrar um emprego decente que lhes permita outra vida que não uma existência marginal. E onde, claro, a mídia recomenda que essas pessoas evitem frequentar lugares abertos, a fim de que não sofram homofobia.
Portanto, é realmente compreensível que Ellen sinta que tenha uma responsabilidade social com a declaração, afinal, ela é uma pessoa pública, jovens se inspiram nela e esperam atitudes das quais possam se orgulhar. É uma ação política, pessoal, comercial até, talvez, embora creia que não.
Particularmente, sempre tive problemas com a expressão "assumir ser gay". "Sair do armário" me soa ainda pior. Pessoas heterossexuais vivem nesse armário, então? São expressões carregadas de rancor e de um peso que não condizem com a natureza diversa da sexualidade humana. Comentava com um amigo outro dia: rótulos como hétero e homossexualidade não existiam na antiguidade. É coisa da era moderna, historicamente falando. E mais servem para segregar do que para compreender. Estudiosos da sexualidade sabem o quão ultrapassado se tornou esse tipo de interesse e propõem o exercício de uma sexualidade sem rótulos.
Discurso de Ellen Page na Human Rights Campaing Foundation
A verdade é que um ex-chefe foi o responsável por me ensinar a lidar com as diversidades, sexuais inclusive, que costumam gerar polêmica. Ele dizia, com humor bastante peculiar: Desmistifique. Tire a importância. A partir de então, essa palavra se tornou mágica para mim. Desmistifique é o que eu penso quando vejo comoção por conta da exibição de um beijo gay em horário nobre na TV brasileira. Desmistifique, é o que eu digo ao meu amigo diante da sua excitação por Ellen Page ser feliz em dormir com mulheres.
Enquanto ouço muitos dizerem que gostariam de ver mais pessoas agindo como Ellen, eu digo que realmente gostaria que isso não fosse mais necessário. Exatamente da mesma forma que não é necessário um comunicado oficial de heterossexualidade; da mesma forma que ninguém pressiona um heterossexual nesse sentido. À parte a onda de horror e desrespeito generalizada, não há diferenças significativas em ter sexo e compartilhar a vida com alguém do mesmo sexo.
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Talvez alguns não saibam, mas a também atriz Jodie Foster, duas vezes ganhadora do Oscar, foi muitas vezes criticada por não "revelar-se" gay. Jodie teve uma relação com uma mulher por cerca de 20 anos, tiveram dois filhos juntas, e, ainda assim, revistas e militância queriam que ela "saísse do armário" e fizesse um favor à causa. Então, em 2013, quando foi homenageada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que entrega anualmente os prêmios Globo de Ouro, Jodie fez um discurso claro em que assumiu com todas as letras que era... solteira.
"Sei que muitos esperavam que eu saísse do armário aqui hoje, mas eu fiz isso anos atrás, quando uma garota frágil escolhia se abrir com amigos confiáveis, e com a família, e depois, gradualmente, orgulhosamente, com todo mundo que ela realmente conheceu. Mas agora fui informada que aparentemente se espera que toda celebridade dê detalhes de sua vida privada em entrevistas coletivas", resumiu.
Depois do discurso houve quem chamasse Foster de covarde por não ser explícita e usar as palavras gay, lésbica ou homossexual. Quem ignorasse sua declaração de amor à ex-esposa, aos filhos e aos "mesmos rostos de sempre, anônimos" que estavam ao seu lado dia após dia, seu agradecimento e a manifestação de amor profundo pela mãe. Ingredientes que, tão ou mais que o exercício de sua sexualidade, a fazem ser Jodie Foster. Foram minoria, ainda bem. Ainda bem que a sociedade não transformou esse preconceito às avessas em regra. Não é uma ditadura, embora, às vezes, possa parecer que seja.
Não à toa, Jodie falou de privacidade. Talvez esse tenha sido o principal tema de seu discurso, até. Absolutamente compreensível para uma pessoa que vive há 47 anos diante das câmeras e tenha sido exposta a todo tipo de especulação. Mas absolutamente compreensível para qualquer pessoa que não queira fazer de um aspecto particular de sua vida uma bandeira em favor de qualquer coisa - o que não nos tira o dever de lutar por igualdade e respeito, acima de tudo. Nem sempre se trata de mentir por omissão.
Dito isto, depois de todos os boatos e comentários maldosos, pessoas me inquirindo e esperando por uma declaração, aproveito para dizer, honestamente e orgulhosamente, a quem interessar possa, que eu sou... negro.

Por Felipe Lima

Fonte:
© obvious:http://lounge.obviousmag.org/les_feuilles/2014/02/sair-do-armario-ainda-e-preciso.html#ixzz3GWszpPAL 
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Quem rotula nossa sexualidade?


E se formos muito mais que gays ou héteros? E se houver uma galáxia de identidades sexuais, que devem ser definidas, antes de tudo, por cada um@?

Por Marília Moschovich

Na sexta-feira a atriz Ellen Page se assumiu lésbica em um discurso público pela primeira vez. Entre tantas coisas lindas que disse, refletiu sobre a dificuldade em “sair do armário” (leia o discurso completo aqui). Quando compartilhei a informação com outras pessoas, muita gente disse coisas do tipo “eu já sabia”. Assim como muita gente usa frequentemente o termo “gaydar” (querendo dizer que haveria uma espécie de radar gay, que permite algumas pessoas identificarem mais facilmente quem é gay ou não). Esses comentários não vieram de pessoas homofóbicas, conservadoras, ausentes da discussão sobre os direitos e a condição LGBT num mundo heteronormativo. Pelo contrário, vieram de muit@s companheir@s de luta. Por isso decidi usar minha coluna de hoje como um apelo e lhes dizer: parem. Apenas parem.
Enquanto mulher bissexual, esse tipo de classificação me parece extremamente arbitrária. Por vários motivos, mas principalmente porque se baseia nos mesmos estereótipos que autorizam violência simbólica e física contra a população LGBT, e porque é autoritário ao querer definir para um indivíduo algo que só pode ser definido por ele ou ela mesm@: sua identidade sexual.
Ao dizer que há um “gaydar” ou “eu já sabia”, as pessoas o fazem com base em estereótipos sobre essas diferentes categorias de pessoas. Esses estereótipos em geral estão ligados à expressão de gênero – pessoas “mais femininas”, “mais masculinas” ou com “um certo jeito” que não se sabe bem explicar. A questão é que a expressão de gênero contém matizes extremamente variadas de masculinidade e feminilidade combinadas, o que já mina esse tipo de classificação externa desde o começo. Além disso, a expressão de gênero não é associada necessariamente com certo conjunto de práticas sexuais. Nenhum homem precisa ter uma expressão de gênero espartana para ser heterossexual, por exemplo.

Essa associação automática que fazemos entre um certo tipo de expressão de gênero e certo conjunto de práticas sexuais faz parte do que a filósofa Judith Butler chamou de “matriz heterossexual”. Essa “matriz” seria a associação compulsória exigida em nossa sociedade entre o tipo de corpo que se tem (corpos “masculinos” e “femininos”), uma determinada identidade de gênero (ser “homem” ou “mulher) e a heterossexualidade como norma. Nesse modelo hegemônico de pensamento, o ser humano “normal” seria um homem que tem um corpo masculino (sobretudo um pênis, mas há outros marcadores como pelos, músculos, formato do corpo, cabelo e outros signos culturais do corpo) e transa com mulheres, ou uma mulher que tem um corpo feminino (vagina, seios, curvas, pouco pelo, cabelos longos, etc) e transa com homens. Qualquer pessoa que foge à essa regra é considerada anormal, estranha, doente, menos humana.
Quando falamos em “gaydar” ou dizemos “eu já sabia” quando alguém “sai do armário”, estamos reforçando esse modelo que é simbolicamente violento. É essa violência simbólica, porém, que autoriza na prática os episódios que nos tornam um dos países que mais matam sua população LGBT no mundo. Classificar as práticas sexuais alheias é sempre uma violência, já que para isso partimos de estereótipos que sustentam esse modelo opressor que podemos chamar de “matriz heterossexual”. Reforçamos a associação entre feminilidade ou masculinidade e certas práticas sexuais – o que, convenhamos, não faz o menor sentido.

Dentro dessa perspectiva, só há uma maneira não-violenta de tratar a sexualidade alheia: deixar que o outro se defina. Além da questão simbólica de que estou falando, entra aí uma outra questão, muito mais concreta e de ordem prática: você nunca vai saber sobre as práticas e desejos do outro tanto quanto ele. Se você vir duas mulheres se beijando na rua, você assume que elas sejam lésbicas? Mas não poderiam ser bissexuais? Pansexuais? Ou mesmo heterossexuais que uma vez na vida estão experimentando beijar alguém do mesmo gênero?
Ser lésbica, gay, bissexual, pansexual e toda e qualquer outra forma de identidade sexual é como ser negro, branco, mulher, homem: uma classificação individual ligada à identidade. Ninguém jamais poderá dizer ao outro como se identificar sem que isso seja absurdamente autoritário e violento. Negar ao outro sua identidade sexual é cometer uma violência sexista.
Por fim, creio que vale o bom e velho argumento: será que isso é mesmo da sua conta? Você precisa ter uma opinião sobre a identidade sexual do outro sem que o outro se coloque essa identidade? Precisa parar pra pensar nisso, ficar supondo ou tentar adivinhar? Para quê?
A cada vez quem um/a companheiro/a de militância fala em “gaydar” ou “eu já sabia”, me sinto agredida. E se fosse eu? Quem é você pra me dizer o que eu sou ou deixo de ser, achando que sabe mais do que eu mesma?
Apenas parem.

Fonte:http://outraspalavras.net/posts/quem-rotula-nossa-sexualidade/

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