ESTRATÉGIAS SEXUAIS : POR QUE SOMOS DIFERENTES ?






Enquanto as mulheres da etnia indiana nayar podem ter quantos amantes quiserem, os jovens etoros do Pacífico são obrigados a praticar sexo oral aos homens adultos da sua tribo. Por sua vez, na sociedade ocidental, há pessoas que têm vários orgasmos diariamente e outras que renunciaram voluntariamente ao sexo. Qual a razão para tamanha heterogeneidade? As diferenças não são apenas culturais. Homens e mulheres vivem a experiência erótica de forma distinta, em grande parte devido a condicionantes biológicas que começam a ser decifradas. Não menos interessante é o que a ciência descobriu sobre o modo como escolhemos 



A diversidade de comportamentos eróticos nas diferentes culturas e no interior de cada sociedade deixa a ciência intrigada. O ambiente e os genes têm muito a dizer.
Tonga é um pequeno país insular situado a Leste da Austrália, no Pacífico Sul. O actual rei continua a desempenhar certas funções (trata-se de uma monarquia constitucional), mas há muito que já não tem a obrigação de desflorar as mulheres virgens da ilha. Um dos seus antepassados, Fatefehi, foi obrigado a cumprir o extenuante dever durante anos: estima-se que iniciou nas artes do amor 37.800 raparigas, entre 1770 e 1784, a um ritmo de seis ou sete por dia.
As mulheres nayares da Índia também podem manter um número considerável de relações sexuais, mas não como uma obrigação; fazem-no por diversão. Nesta casta de guerreiros hindus (ou seja, a nayar), as meninas devem passar por uma cerimónia que dura quatro dias antes da primeira menstruação. No fim do ritual, recebem o tali, um colar que simboliza que contraíram matrimónio. A partir desse momento, podem manter relações sexuais com quantos amantes (sambandha) quiserem, um de cada vez ou no número que considerem mais apetecível. Um deles poderá tornar-se seu marido, mas isso não é obrigatório. De facto, não costuma ser habitual.

Depósito de esperma em reserva

Os jovens etoros da Papuásia/Nova Guiné, pelo contrário, tratam de restringir o número de parceiros eróticos e a quantidade de relações sexuais que mantêm ao longo da existência. Praticam a castidade ("a mais desnaturada das perversões sexuais", segundo o escritor inglês Aldous Huxley ) com as suas companheiras durante a maior parte do tempo. O motivo é simples: acreditam que a quantidade de sémen é limitada e que morrerão quando esgotarem as suas reservas. A quantidade do precioso fluido de que um homem etoro poderá dispor ao longo da vida é adquirida durante a adolescência. Como? Através da prática de sexo oral aos homens maduros da tribo. Por isso, um jovem não pode ter um aspecto demasiado saudável: considera-se que abusou do sexo oral e que ingeriu demasiado sémen. Nesse caso, é obrigado a manter relações sexuais com mulheres para recuperar o equilíbrio.
No mundo ocidental, semelhante teoria seria liminarmente descartada; ninguém acredita que se tenha de limitar o número de coitos para racionar o sémen. O que se verifica na nossa sociedade é a castidade voluntária: um número considerável de indivíduos não praticam sexo porque não desejam fazê-lo. A Sociedade Assexual Americana estima que esse grupo integra cerca de três por cento da população mundial, mas talvez a percentagem real seja ainda maior, agora que já não se esconde a opção assexual. No Japão, país que muitos especialistas consideram ser um exportador de tendências, cada vez se mantêm menos relações. Uma sondagem da Associação Japonesa de Planeamento Familiar efectuada junto de pessoas entre os 16 e os 49 anos mostrou que 31% não tiveram contactos sexuais no último mês, "sem qualquer razão especial".

Os genes que nos arrastam

A variedade de comportamentos que emerge destes exemplos dá uma ideia da diversidade sexual humana. Os antropólogos assinalam que a nossa conduta erótica poderá ser mais heterogénea do que a forma de vestir, os hábitos alimentares ou as normas éticas. A cantora e actriz norte-americana Bette Midler perguntava há tempos: "Se o sexo é um fenómeno tão natural, por que existem tantos livros sobre como fazê-lo?" A verdade é que os cientistas continuam a interrogar-se por que motivo reagimos de forma tão variada a algo que é, na sua essência, uma imposição biológica.
A motivação sexual é o mecanismo que favoreceu a selecção natural para aumentar a probabilidade de sobrevivência da espécie. Quando duas pessoas se sentem atraídas, não costumam parar para pensar que estão a ser guiadas pelos seus genes, mas o prazer que as move é um mecanismo mental, dirigido pela pulsão biológica, que é fruto da adaptação. Talvez essa inconsciência que a natureza estabelece seja a causa para se ter demorado tanto a começar a estudar as estratégias sexuais humanas.
Um dos primeiros especialistas a tentar quebrar o tabu foi Alfred Kinsey, professor catedrático de biologia e zoologia da Universidade do Indiana: surpreendido por haver tantas referências à sexualidade animal e tão poucas à nossa, decidiu efectuar um macro-inquérito. Foi alvo de acesas críticas por parte de sectores médicos e grupos religiosos, que chegaram a ameaçar incendiar-lhe a casa, mas não conseguiram intimidá-lo. O célebre Relatório Kinsey, publicado em 1948 (homens) e 1953 (mulheres), reunia dados sobre a vida erótica de 11.240 pessoas e os resultados deixaram a sociedade norte-americana atónita, pois mostravam um panorama inesperadamente heterogéneo que não correspondia ao que era considerado "normal". Por exemplo, 37% dos homens tinham tido uma experiência homossexual, 62% das mulheres tinham-se masturbado e quase metade tinham tido relações antes do casamento.
Todavia, o que mais chamava a atenção era a grande diversidade na actividade sexual quotidiana. Surgiam homens e mulheres que afirmavam nunca ter tido um orgasmo, e outros que usufruíam de quatro ou mais por dia. Os dados também mencionavam pessoas absolutamente monógamas que há décadas mantinham relações com a mesma pessoa (a única parceira sexual da sua vida) e outras que não conseguiam manter-se fiéis mais de um ano. Isto para não falar das singularidades e dos comportamentos excêntricos: daqueles cuja maior fonte de excitação eram os dentes, os sapatos de salto alto ou as reuniões de trabalho.
O que tornava o estudo revolucionário era a sua metodologia. Kinsey adoptou uma abordagem relativamente ao sexo inédita na altura: o chamado "ponto de vista etic". Os antropólogos designam assim os estudos que procuram investigar o funcionamento de uma cultura de forma objectiva, baseando-se em números e dados reais, e não no que os indivíduos supõem sobre o que os seus vizinhos fazem ou não. O biólogo sabia que, quando se trabalha com interpretações (com o que os membros de uma cultura pensam que acontece na sociedade em que vivem, o "ponto de vista emic"), é fácil cair num padrão de normalidade fictícia. Kinsey averiguou o que se passava verdadeiramente nos quartos sem deixar que ninguém lhe filtrasse a realidade, e descobriu uma grande variedade de comportamentos eróticos.

A economia também conta

A partir do relatório que publicou, a homogeneidade foi cientificamente descartada e os estudos centraram-se em procurar explicar a diversidade. Marvin Harris, professor de antropologia nas universidades de Columbia (Nova Iorque) e da Florida, é um dos principais representantes dessa corrente. O "pai" do materialismo cultural coloca em questão "que existam em absoluto modos de sexualidade humana obrigatórios, para além dos impostos por prescrição cultural". Nada funciona de forma idêntica em todas as culturas. Segundo Harris, as condições materiais constituem o principal factor a condicionar os conceitos sobre sexualidade. A proporção de comportamentos homossexuais, o grau em que se permitem relações consanguíneas ou as leis implícitas e explícitas sobre o adultério podem ser explicadas com base na adaptação ao meio em que cada colectividade vive. E indica um exemplo: quando o investimento na prole se torna muito dispendioso, a sociedade torna-se mais puritana, pois é mau negócio andar a criar e educar filhos alheios. Em contrapartida, nas populações onde esse custo é menor, os costumes tornam-se mais permissivos relativamente ao adultério e à promiscuidade.
O antropólogo francês Pascal Dibie, professor da Universidade de Paris VII, oferece outro exemplo de como a socieade nos molda em função das necessidades materiais. Em Etnologia do Quarto de Cama, fala do ghotul, uma escola erótica frequentada de noite pelos adolescentes da etnia muria, na Índia. As regras deste local de iniciação sexual foram alteradas: antes, os que ali se dirigiam ficavam com o mesmo par dia após dia para aprender as artes do amor. Todavia, no ghotul moderno, as relações duradouras são proibidas: permanecer mais de três dias com o mesmo companheiro ou companheira acarreta sanções.

O êxito da diversidade

O motivo, segundo Dibie, é a necessidade de preservar a ordem social numa cultura cada vez mais permeada por valores e formas de vida alheias. Até agora, os jovens não questionavam os casamentos arranjados tradicionais dos murias. Agora, no entanto, reivindicam o amor e as uniões espontâneas ou por paixão. Como esse tipo de relações quebraria alianças antigas, criaria tensões desnecessárias e complicaria o pagamento de certas dívidas, os adultos procuram proibi-las. Para dissuadir os adolescentes e atenuar a sua curiosidade sexual, permitem que se deitem com todos os membros do ghotul. Argumentam que se reduz, deste modo, o risco de adultério e os ciúmes nos futuros casamentos. Mais uma vez, vemos uma explicação emic (a suposta vantagem para a harmonia do casal) a servir para disfarçar causas etic (a preservação das convenções sociais e económicas). A necessidade adaptativa promove uma promiscuidade que seria sancionada noutro contexto.
Os casos já referidos recordam-nos o valor evolutivo da heterogeneidade, algo que não suscita, sobretudo desde a revolução darwiniana, qualquer dúvida aos cientistas. A variabilidade é a matéria-prima da evolução, pois o que funciona num ambiente pode ser um desastre noutro. Assim, para que a selecção natural possa agir sobre uma característica, tem de haver diferentes versões do gene (ou genes) que o controlam. Ronald Fisher, um dos fundadores da genética de populações, demonstrou matematicamente que quanto mais alelos (variantes) existirem de um gene, maior será a probabilidade de um se conseguir impor aos restantes. Isso implica que uma maior variabilidade genética se traduz num maior ritmo de evolução de uma população.
A sexualidade constitui a base de propagação e sobrevivência dos genes. Quanto maiores as diferenças entre nós, maiores probabilidades teremos de subsistir em qualquer tipo de circunstâncias. Marilyn Monroe afirmou: "O sexo faz parte da Natureza, e eu dou-me maravilhosamente com a Natureza." A ciência actual recorda que darmo-nos bem com o biológico implica entender e respeitar a diversidade. Castos ou promíscuos; pessoas que associam o sexo ao amor e outras a quem os sentimentos diminuem a líbido; heterossexuais, homossexuais, bissexuais e "quadsexuais" (uma nova categoria lançada por Angelina Jolie que engloba os que gostam de homens, mulheres, homossexuais e transsexuais)... Todos contam.

Atlas da diversidade erótica

Ainda persistem curiosos comportamentos sexuais noutras culturas, surpreendentes ou mesmo questionáveis, de acordo com a nossa perspectiva.
A iniciação sexual em muitas tribos africanas é muito precoce. Os chewas (ou chicheuas, da Zâmbia e do Malawi) acreditam que se deve manter uma intensa actividade erótica durante a infância para se ser fecundo na idade adulta. Todavia, o elevado risco de contágio da sida fez subir a idade de iniciação.
Na tribo dos nandi, no Quénia, as meninas de oito anos são consideradas maduras para terem relações e tornam-se propriedade de todos.
Os turus da Tanzânia aceitam que as esposas tenham amantes desde que mantenham as aparências. Os vizinhos colaboram e não as denunciam.
Os adolescentes das ilhas Trobriand, na Papuásia/Nova Guiné, dispõem de uma casa de solteiros onde mudam de parceira todas as noites.
Algumas mulheres do Iémen pintam a pele de negro com pigmentos naturais antes de se deitarem com um homem, pois pensam que essa cor aumenta a potência sexual masculina.
No ritual matrimonial dos arandas, na Austrália central, a noiva deve passar uma noite com os pais do noivo antes de ir para a cama com ele.
Em Samoa, ver um umbigo é muito excitante; na ilha de Celebes, o mais apetecível é mostrar o joelho, enquanto para os hotentotes, etnia do Sudoeste africano, picante é observar os genitais dos animais.
Entre os sakalaves de Madagáscar, o estranho é ser exclusivamente heterossexual, pelo que praticam uma espécie de pansexualidade.
Entre vários povos da Nova Guiné, os adolescentes preparam-se mantendo relações homossexuais, mas, depois do casamento, tornam-se heterossexuais.

L.O.
Normal vs. perverso

Ao longo da História, as instituições religiosas e jurídicas tentaram controlar o comportamento erótico dos cidadãos, apesar das diferenças naturais que existiam em matéria de gostos e tendências sexuais. Para atingir os seus objectivos, classificavam como perversão tudo o que se afastava da alegada normalidade.
O tabu era criado com base em critérios religiosos (pecado) ou jurídicos (delito); começaram também a ser esgrimidos, desde o século XIX, motivos de saúde para anatemizar os instintos desregrados.
Por exemplo, o médico britânico William Acton tornou público, em 1857, um estudo em que afirmava que algumas mulheres tinham orgasmos durante o coito, concluindo que esse efeito era um distúrbio produzido pela sobre-estimulação. Um século depois, William Masters e Virginia Johnson trocaram-lhe as voltas e afirmaram que o anómalo era a anorgasmia.
Até 1973, a homossexualidade foi considerada uma doença mental e constituía um delito em muitos países. Ainda hoje é considerada crime em cerca de 70 estados. Em Portugal, só foi despenalizada em 1982.

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Fonte:SUPER 148 - Agosto 2010



Será que homens e mulheres têm atitudes diferentes em relação ao erotismo? Os estudos indicam que sim e mostram que o instinto tende a acentuá-las e a cultura a diluí-las.
Em meados da década de 1970, Julia R. Heiman, actual directora do Instituto Kinsey da Universidade do Indiana, professora de psicologia e autora de numerosos estudos sobre as origens do prazer e do orgasmo, efectuou uma experiência simples que foi publicada na revista Psychology Today em 1975. Pediu a um grupo de voluntários, composto por homens e mulheres, para ouvirem quatro gravações com igual número de conversas. Uma delas, de carácter exclusivamente romântico, continha palavras de amor sem qualquer alusão ao contacto físico, a segunda era explicitamente sexual, a terceira combinava sentimentos e erotismo e a quarta era completamente neutra. Qual diríamos que se revelou mais estimulante para os homens e qual desencadeou maior excitação erótica entre as mulheres?
Todos acertam na primeira pergunta: os homens apreciaram mais a gravação que continha sexo explícito (o grau de excitação foi avaliado através das alterações no diàmetro do pénis). Todavia, nem todos adivinham que o que mais estimulou as mulheres (neste caso, a reacção erótica foi avaliada pelas variações na coloração da vagina) fosse... exactamento o mesmo que os homens: sexo puro e duro, que demonstrou ser um detonador de activação genital com efeitos semelhantes em ambos os géneros. Curiosamente, porém, quando se pediu a eles e a elas para avaliar o grau de estimulação, os homens admitiram estar muito mais excitados do que as mulheres.
Por sua vez, a psicóloga Sarah K. Murnen, da Universidade do Estado de Nova Iorque, realizou recentemente experiências do mesmo género com resultados semelhantes: as mulheres excitam-se mais com estímulos sexuais explícitos (sobretudo quando integrados numa narrativa em que são elas que tomam a iniciativa e desempenham o papel de protagonistas) do que com meros episódios platónicos.
Estes estudos permitem abordar duas questões essenciais quando se pretende estudar a diversidade sexual dos seres humanos. Por um lado, muitos especialistas não têm dúvidas de que o género é um dos factores fundamentais das divergências: homens e mulheres manifestam, em termos gerais, um comportamento erótico distinto. Todavia, também se fica com a impressão de que as diferenças finais no comportamento masculino e feminino não provêm apenas do factor biológico. A cultura também desempenha um papel importante.

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Inibidas pela educação

A primeira das experiências referidas demonstrava-o com toda a clareza: ouvir uma gravação sexualmente explícita produzia uma excitação erótica semelhante a nível físico, mas as mulheres inibiam-na por motivos educacionais. Stanley Schachter e Jerome Singer, psicólogos da Universidade do Michigan, são autores de uma teoria que pode explicar essas diferenças subjectivas de percepção. De acordo com as suas investigações, quando interpretamos e rotulamos o que sentimos ao experimentar algum tipo de activação fisiológica (irrigação sanguínea nas zonas genitais, palpitações cardíacas, transpiração), fazemo-lo guiados por factores subjectivos. No caso da estimulação genital, a nossa psique tem de lidar com um leque de sensações que vão do sexualmente irresistível ao doloroso, ao desagradável, ao neutro. Isto é, a forma como processamos um mesmo acto biológico pode levar-nos a uma reacção de satisfação ("põe-me louco"), de rejeição ("mete-me nojo") ou de indiferença ("deixa-me frio").
Os psicólogos evolucionistas foram pioneiros na confrontação do interrogante com as singularidades comuns a cada sexo. Jeffry A. Simpson, da Universidade do Minnesota, e Steven W. Gangestad, da Universidade do Novo México, conceberam, em 1991, um questionário para avaliar o comportamento que designaram por "sócio-sexual" e que considera, entre outros dados, desde o número de parceiros de cama até ao tempo que decorre entre o início de uma relação e o primeiro encontro erótico.
A ideia base é que as pessoas com um índice sócio-sexual elevado têm mais encontros eróticos e companheiros ao longo da vida, costumam ter relações mal iniciam um romance e são propensas a manter mais de um caso ou aventura em simultâneo. Os investigadores confirmaram que esses indivíduos, que preferem ter sexo sem necessidade de passar previamente por uma ligação emocional, escolhem parceiros extrovertidos e fisicamente muito atraentes, enquanto aqueles com índice sócio-sexual menos acentuado optam por companheiros com qualidades de tipo paternal ou maternal. Além disso, Simpson e Gangestad concluíram que, globalmente, os homens são mais sócio-sexuais e possuem uma motivação mais exclusivamente libidinosa do que as mulheres, e que o impulso masculino é influenciado em menor grau por factores emocionais do que o feminino.
A sociobiologia, escola de pensamento fundada pelo biólogo norte-americano Edward O. Wilson, explica as diferenças com base nos mecanismos evolutivos. Os partidários desta teoria consideram que qualquer comportamento social, incluindo o sexual, constitui uma resposta a causas biológicas, e que é por demais evidente por que motivo os géneros têm pulsões sexuais distintas: em termos de evolução, os espermatozóides são mais baratos do que os óvulos. Para potenciar o êxito reprodutivo dos seus genes, os homens precisam de semeá-los no maior número possível de mulheres. Com elas, verifica-se o contrário: devido ao papel sociobiológico que desempenham, estão condicionadas à educação e ao cuidado dos filhos, tanto por disporem de uma quantidade limitada de óvulos como pelo custo que a gravidez e a amamentação implicam. Por isso, se a gestação for produto de uma aventura exclusivamente sexual, correm o risco de se ver abandonadas com o filho. A melhor estratégia para optimizar um óvulo é fazer um bom casting e seleccionar um homem cuja motivação erótica esteja associada ao amor e ao instinto protector, para ajudá-la a criar a prole.
Os mentores desta distribuição de papéis encontram um argumento de carácter psicológico no padrão universal que funciona relativamente ao ciúme: os homens preocupam-se mais com a infidelidade sexual e sentem-se pior quando suspeitam que as suas companheiras foram para a cama com outros; em contrapartida, elas ficam mais inquietas com a traição emocional, com a ameaça de que o companheiro se possa envolver sentimentalmente com outra mulher, e não tanto com uma simples infidelidade física num momento de excitação. O psicólogo norte-americano David Buss, da Universidade do Michigan, verificou em diversos estudos que essa tendência é generalizada em mais de 40 tipos de culturas e sociedades de diferentes parte do mundo, o que se coaduna com a tese evolucionista sobre as diferenças de comportamento erótico entre os géneros: elas receiam mais a possível perda de recursos humanos na educação dos filhos, enquanto eles têm medo de investir esforços em filhos que não sejam seus.

Promiscuidade refletida no rosto

Diversas experiências recentes confirmam essas diferenças biológicas de comportamento. Lynda Boothroyd, da Universidade de Durham, e Ben Jones, da Universidade de Aberdeen (ambas no Reino Unido), desenvolveram uma investigação com 700 heterossexuais de ambos os géneros, numa faixa etária que rondava os 20 anos. A experiência consistia em mostrar-lhes fotografias de indivíduos do sexo oposto para escolherem os que lhes pareciam mais propensos a aventuras de uma noite e os que achavam melhores para manter relações estáveis. Depois, as suas percepções foram comparadas com os verdadeiros comportamentos dos indivíduos fotografados: os resultados mostraram que, globalmente, as intuições estavam correctas. Por exemplo, as características físicas masculinas mais viris (mandíbula quadrada, pêlo abundante, ombros largos) correspondiam a indivíduos mais promíscuos, mas não eram precisamente os preferidos pelas mulheres, mais inclinadas para os rostos serenos, que indicavam aptidões para relações duradouras. Os homens escolheram maioritariamente os físicos mais atraentes, que demonstraram corresponder a mulheres mais predispostas para manter aventuras sexuais esporádicas.
Por sua vez, Sarah Mikach e Michael Bailey, da Universidade do Illinois, fundamentam a dicotomia erótica nas hormonas que o feto adquire durante a gestação. De acordo com as suas experiências, as mulheres de características mais masculinas (as que possuem mais androgénios e testosterona), tornam-se também as mais promíscuas. Ainda de acordo com esta perspectiva, o biopsicólogo norte-americano Victor Johnston e, mais recentemente, o canadiano Andrew Clark descobriram um parâmetro significativo no comprimento do dedo anelar: as mulheres com o anelar mais comprido (uma consequência do elevado nível de testosterona pré-natal) tendem a ter mais companheiros sexuais. Clark assinala que, curiosamente, se trata do dedo onde se usa a aliança que simboliza, em muitas culturas, a fidelidade. Assim, o anel não seria um sinal de compromisso, mas antes uma forma simbólica de travar a tendência para a promiscuidade.
Por outro lado, os estudos de Peter Gray, da Universidade do Nevada em Las Vegas, mostram que os homens com uma relação estável e filhos tinham menos testosterona na saliva. Dado que a referida hormona surge associada, nos mamíferos, ao impulso competitivo e de acasalamento, parece que um teor mais baixo nos progenitores lhes permite canalizar mais energia para os descendentes. Gray comprovou também que os homens casados em busca de aventuras extramatrimoniais tinham abundante testosterona no sangue.

O ovo ou a galinha?

No entanto, embora haja cada vez mais indícios acerca das bases bioquímicas que explicam os motivos por que homens e mulheres manifestam uma pulsão sexual distinta, não devemos cair num determinismo simplista. Falamos sempre das diferenças gerais entre dois grupos, mas no interior de cada um existe, por sua vez, uma grande variabilidade, que é nitidamente superior, de acordo com muitos estudos, entre as mulheres. Seja como for, as singularidades de cada indivíduo ultrapassam as do género. Há muitos outros factores que influenciam a sexualidade.
Por outro lado, a noção de a bioquímica ser a causa, e o comportamente sexual a consequência, ainda não está bem esclarecida. Será lícito perguntar se não será o fisiológico a sofrer a influência do psicológico. Dos estudos de Peter Gray, por exemplo, podemos deduzir que os indivíduos com menos testosterona tendem a procurar relações monógamas; ou, pelo contrário, que estar envolvido numa ligação monógama faz descer o nível da hormona. Os trabalhos de Lynda Boothroyd levam-nos a pensar se os homens com características mais viris são mais promíscuos por serem impulsionados pelas hormonas ou se, na verdade, é a sua atracção física que os faz ter êxito e sentirem-se mais motivados para a sedução.
Provavelmente, a resposta reside numa interacção entre diversos factores, pois a evolução não é apenas uma questão biológica, também afecta o cultural. David Schmitt, psicólogo da Universidade de Bradley (Illinois) e director do Projecto Internacional de Descrição da Sexualidade, um estudo que envolve 56 países de todos os continentes, sugere que existe uma distribuição cada vez mais equitativa tanto da promiscuidade como da castidade entre homens e mulheres, e que os comportamentos eróticos começam a homogeneizar-se entre os géneros. Mesmo assim, por muitas alterações que a evolução sociocultural arraste consigo, o investigador acredita que irá sempre sobrepor-se um imperativo biológico: "Em alguns países, as mulheres poderiam ultrapassar os homens em determinados comportamentos sexuais, mas não podemos esquecer que são elas que engravidam e cuidam dos bebés. Será difícil que cheguem a desaparecer por completo todas as diferenças entre o que eles e elas procuram numa relação."

Carícias sonhadas

São as melhores, segundo a letra de uma canção, e é verdade que a líbido não é apenas estimulada pela interacção entre a fisiologia e os estímulos externos. Excitamo-nos, também, com a imaginação, uma importante fonte de estimulação erótica com variantes entre homens e mulheres. Cerca de 95 por cento das pessoas admitem ter tido fantasias sexuais, mas as masculinas incluem o dobro de imagens físicas explícitas.
Os estudos também confirmam algo que todos suspeitávamos: se os outros pudessem entrar na nossa mente, ficariam atónitos (ou talvez não). Numa investigação sobre as imagens que surgem durante a masturbação, o psicólogo norte-americano Morton Hunt descobriu, por exemplo, que 19 por cento das mulheres e 10% dos homens imaginavam ser molestados por alguém.
Enquanto investigava o potencial erótico dos sonhos, a sexóloga Barbara L. Wells verificou que a excitação sexual nos acompanha grande parte da noite, mesmo que os nossos sonhos não estejam relacionados com sexo. As fantasias oníricas conduzem ao orgasmo quase todos os homens e 40% das mulheres.

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SUPER 148 - Agosto 2010



Por muito que se pretenda torná-la racional, a selecção de um parceiro para uma relação estável ou passageira é influenciada por um cocktail sensorial e por pulsões atávicas que condicionam a decisão e o grau de compromisso.
No Livro das Maravilhas (século XIII), Marco Polo descrevia com espanto o critério dos habitantes do Tibete quando se tratava de eleger uma companheira: "Por nada deste mundo um homem escolheria para mulher uma donzela, pois dizem que não vale nada se não estiver habituada a deitar-se com muitos homens. Por isso, quando chegam viajantes de outra região do país a esta comarca, as anciãs que têm filhas em idade de casar levam-nas até eles, e por vezes são vinte, trinta ou quarenta... Oferecem-nas aos homens, suplicando que lhes fiquem com a filha durante o tempo que ali permaneçam. E, depois de os homens terem feito o que quiseram com elas, antes de prosseguirem viagem, costumam dar alguma coisa (uma jóia, um anel, uma medalha...) às raparigas com quem se divertiram; assim, quando casarem, poderão apresentar a prova de que foram amadas e tiveram amantes..." Para um veneziano da Idade Média, proveniente de uma cultura que valorizava a virgindade, o choque deve ter sido enorme. Talvez por isso, não esclarece na narrativa se chegou a aceder aos pedidos das suas anfitriãs.
Seja como for, se o impulso erótico fosse apenas um imperativo biológico, a forma tibetana de escolher uma companheira seria a mais habitual. Procuraríamos parceiros de cama em função da sua experiência: quanto mais tivessem, maior prazer nos proporcionariam. Todavia, a perícia é apenas um dos factores em apreciação. Existem outros, e a ciência anda agora a seguir a sua pista.
Obviamente, um dos critérios de selecção é a beleza física, que vale mais do que qualquer "carta de recomendação", segundo dizia Aristóteles. Há muitos estudos, como os do psicólogo canadiano Michael Efran, da Universidade de Toronto, que mostram como esse dom se torna essencial quando se trata de chamar a atenção de alguém. Por exemplo, quando nos pedem uma indicação na rua, estamos mais dispostos a colaborar e a dedicar tempo a informar o nosso interlocutor se este for atraente. Numa experiência sobre a selecção de recursos humanos, apenas 11 por cento dos profissionais preferiram um candidato de feições desagradáveis, apesar de ser o mais qualificado para o posto de trabalho. E, como é evidente, os bonitos são os parceiros de cama preferidos e os que têm mais casos amorosos, segundo confirmam os estudos de Efran.


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Ser atraente não traz felicidade...

O actor Robert Redford sabe tudo isso de fonte segura: "Ser bonito não traz a felicidade, mas põe-na ao alcance da mão." A beleza influencia-nos, embora de forma inconsciente. Quando investigou decisões judiciais, Efran verificou que os indivíduos dotados de beleza física recebiam penas mais leves e que os jurados duvidavam mais das provas incriminatórias e tinham maior tendência para não acreditar nas testemunhas de acusação do que no caso de réus menos atraentes. No entanto, apenas 7% dos inquiridos pensavam que o aspecto físico condicionava a decisão dos juízes.
Seja como for, será interessante perceber o que significa dizer que alguém é atraente. Tem apenas a ver com o aspecto físico, ou a componente psíquica também exerce influência? É uma questão exclusivamente visual? Varia em função da ocasião? O padrão estético é inamovível ou altera-se ao longo do tempo?
A fachada não é o único factor que conta quando se trata de atrair os outros, como sabemos pela investigação de Lynda Boothroyd, já referida antes. Tratava-se de adivinhar, com base numa fotografia, se a pessoa na imagem era um bom candidato para uma aventura de uma noite ou para uma relação mais séria. Pois bem: os participantes na experiência da psicóloga encontravam maiores atractivos naqueles que consideravam poder satisfazer as suas expectativas. Isto é, os que procuravam um compromisso sentimental achavam mais bonitos aqueles que aparentavam querer algo duradouro, enquanto os interessados em sexo sem consequências apostavam no aspecto físico dos que consideravam candidatos a uma noite de diversão. Ou seja, há um critério psicológico-subjectivo no padrão estético.

Um canal erótico no nariz

Por outro lado, os seres humanos recorrem aos cinco sentidos e à percepção sensorial de forma diferente para decidir as suas preferências sexuais. As experiências de Efran, por exemplo, baseiam-se no critério visual, mas sabe-se que há muitas formas de olhar. Um estudo recente do Instituto Tecnológico do Massachusetts (MIT) mostrou que algumas mulheres reparavam, sobretudo, no aspecto físico geral quando lhes pediam para avaliar a beleza, enquanto para uma percentagem semelhante o mais importante eram os olhos; outras avaliavam a estatura, os ombros, o cabelo, o traseiro... Entre os homens, também se repartiam os objectos de desejo: enquanto uns contemplavam os olhos, outros preferiam os seios, o cabelo, o traseiro. A estimulação visual não é uniforme, é muito variada.
Algo de semelhante ocorre com os outros sentidos. Estuda-se muito o olfacto, talvez por ser o mais primário, o que nos transmite as primeiras sensações. A memória olfactiva é a que mais directamente se associa ao visceral. De acordo com muitos antropólogos, continuamos a beijar-nos para nos cheirarmos de forma civilizada, pois o aroma de outra pessoa acciona o nosso organismo. As feromonas alheias chegam ao bolbo olfactivo secundário, à amígdala e ao hipotálamo, e provocam uma atracção por alguém que, de outro modo, nos teria passado despercebido. Em seguida, o córtex cerebral, mais racional, intervém no sentido de procurarmos razões que justifiquem deixarmo-nos seduzir. O olfacto é fundamental, mas a nossa cultura analítica tem dificuldade em admiti-lo. Todavia, esse canal sensorial explica muito mais sobre as nossas opções do que pensamos.
De facto, permite entender a enorme heterogeneidade de gostos sexuais. Ingelore Ebberfeld, da Universidade de Bremen (Alemanha), é autora de de um questionário feito a 432 voluntários (273 mulheres e 159 homens), dos 15 aos 84 anos, aos quais colocava perguntas sobre os seus próprios odores corporais e os dos seus parceiros, assim como sobre a sua influência na vida sexual. Os resultados mostraram até que ponto o nariz desempenha um papel importante no erotismo: 76,4% admitiram que o que os atraíra sexualmente no outro fora o seu aroma; 9% dos homens e 5,5% das mulheres já tinham cheirado a roupa interior usada do companheiro para se excitarem; 48,4% preferiam o odor do corpo, contra 45,8% que optavam pelo odor corporal com aromas e perfumes. Por zonas, 21,3% preferiam o odor do peito do companheiro; 16%, o hálito; 23,1%, as axilas; 31,9%, a zona genital; 8,8% optaram por outros cheiros, incluindo o dos pés e o do traseiro. No caso delas, o terceiro odor mais estimulante, com 26% de adeptas, era o que emanava do corpo depois do coito.
Todo este mosaico sensorial se torna mais complexo se lhe acrescentarmos o momento psicológico ou do ciclo vital de cada um. O já referido David Schmitt recorda que a mulher tem maior propensão para manter ligações passageiras enquanto está a ovular e que, nesse período, prefere homens de traços mais masculinos, indicadores de saúde e genes competitivos, embora possa achar mais atraentes, durante o resto do tempo, companheiros de aparência mais afável. A razão é que a psique feminina esconde, de forma inconsciente, uma dupla estratégia que leva a mulher a procurar um companheiro fiel, que a ajude a criar os filhos; porém, quando tem mais possibilidades de engravidar, prefere um indivíduo com uma dotação genética de qualidade. Essa inclinação explicaria a elevada percentagem de gestações na sequência de aventuras extramatrimoniais passageiras.

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Cheínhas, pin-ups e raquíticas

A idade constitui outro factor que pesa, segundo Schmitt. Comprovou, nos seus estudos, que o apogeu sexual (a época em que eles e elas são menos selectivos) chega aos homens na casa dos vinte e às mulheres na dos trinta. Para os jovens de 20, a promiscuidade optimiza a descendência, enquanto para as trintonas, quando a gestação começa a complicar-se, a estratégia de aumentar o número de parceiros aumenta as opções de encontrar bons genes, embora o auxílio para criar os filhos já não esteja assim tão garantido.
Quanto aos critérios estéticos, existe igualmente um cadinho de variantes, desde os pés pequenos da cultura japonesa até à hipertrofia dos glúteos das Vénus neolíticas, às pin-ups de ancas largas e curvas generosas dos anos 50, ou às raquíticas top models dos nossos dias. Os gostos mudam ao mesmo ritmo da sociedade. Muito do que hoje se usa de forma inconsciente resulta de uma selecção ditada pela evolução para se poder adaptar a determinadas circunstâncias ambientais.
Um estudo recente de Fhionna Moore, da Universidade de Saint Andrews (Escócia, Reino Unido), demonstra que o estatuto feminino é cada vez mais importante: o seu crescente poder económico aumenta a atracção da mulher e proporciona-lhe um maior número de parceiros. Muitas mães já criam os filhos sozinhas e é provável que o potencial masculino para as auxiliar nesse aspecto tenha cada vez menos peso no critério feminino de selecção. O mundo está a mudar, e a sexualidade com ele.


SUPER 148 - Agosto 2010

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