Jodi Cobb
A fórmula do amor
Cientistas começam a desvendar as reações químicas que alimentam a paixão
Paquera com tango num bar na Argentina: a conversa, o toque, o movimento em ritmo perfeito
Meu marido e eu nos casamos às 8 da manhã. Era inverno e fazia um frio de rachar. Tínhamos entrado havia pouco na casa dos 30 e nos julgávamos descolados e céticos, do tipo que faz pouco da instituição do matrimônio, mas não deixa de querer o status que ela traz. No brunch depois da cerimônia, trouxemos uma grande caixa de sugestões e pedimos aos convidados que escrevessem conselhos sobre como evitar o divórcio. Achamos que seria engraçado, uma medida perspicaz, mas as sugestões foram bobas: fechar o tubo de pasta de dente. Depois que os convidados se foram, a casa ficou quieta. Havia flores por toda parte: rosas vermelhas, samambaias. “O que podemos fazer que seja bem romântico?”, perguntei à minha cara-metade. Benjamim sugeriu um banho de banheira. Eu não estava a fim de banho. Sugeriu um almoço com vinho branco gelado e salmão. Eu estava farta de salmão.
O que fazer? As bodas já tinham ido, o silêncio era sufocante, e eu estava com aquela conhecida sensação de decepção que a gente sente depois que passa um acontecimento muito esperado. Estávamos casados. Êêêê, viva! Decidi dar uma caminhada. Fui até o centro da cidade, grudei o nariz na vitrine de uma padaria. Fiquei olhando o homem de mãos enfarinhadas, a massa lisinha como pele que ele amassou, amassou, puxou, puxou e moldou em forma de estrelas. Xeretei uma loja de antigüidades. Por fim, dei de cara com o salão de tatuagens da cidade. Não sou do tipo que usa tatuagens, mas, não sei por quê, naquele domingo gelado e tranqüilo resolvi entrar. “Pois não?”, disse uma mulher. “Você tem aí alguma tatuagem que não seja permanente?”, perguntei. “Tatuagens de hena”, respondeu ela.
Explicou que duravam seis semanas, eram usadas nos casamentos indianos, ficavam bem nítidas, lindas e marrons. Mostrou-me fotos de indianas de jóias no nariz e os braços ornados com rendilhados e arabescos de hena. Eram mesmo belíssimas, nada tinham daqueles desenhos espalhafatosos e caricaturescos das tatuagens que vemos por aí. Aquelas de hena falavam de enleios, da trama que se tece entre duas pessoas, de laços que unem e do quanto é difícil descobrir onde começam e onde terminam. E eu, que acabara de me casar, que sentia um desalento pós-núpcias e que desejava alguma coisa bem romântica para incrementar minha noite, decidi fazer uma.
“Onde?”, quis saber ela. “Aqui”, falei, apontando os seios e o ventre. Ela ergueu as sobrancelhas. “Tudo bem”, disse.
Sou uma pessoa recatada. Mas tirei a blusa, deitei na mesa, ouvi a mulher misturando pós e tintas na sala dos fundos. Ela veio com uma tigelinha que continha um mingau vermelho vivo, cintilante. E me adornou. Deu-me videiras e flores. Transformou meu corpo em estaca para sustentar novas ramagens e, por fim, mais embaixo, contornou meus quadris com um cinto de castidade de elos encadeados. Uma hora depois, seca a tinta, vesti-me e fui para casa, ao encontro da minha cara-metade. Aquele, eu sabia, era meu presente para ele, o tipo de presente que a gente só dá uma vez na vida. Deixei que ele me despisse.
“Uau!”, falou ele, recuando um pouco.
Corei, e começamos.
Não estamos mais começando, meu marido e eu. Isso não me surpreende. Mesmo naquela época, usando os ornatos do desejo, as tatuagens sinuosas, eu sabia que elas desbotariam, que aquela cor fulva iria esmaecer até sumir. No dia do meu casamento, eu não me importava.
Hoje me importo. Oito anos depois, branquela como um lençol, aqui estou, com todos os quilos extras e a bagagem trazidos pelo tempo. E as questões só ficaram mais prementes. A paixão necessariamente arrefece com o tempo? Até que ponto podemos confiar no amor romântico como recurso para escolher o parceiro? Um casamento pode ser bom quando Eros é substituído pela amizade ou mesmo pela sociedade econômica que liga duas pessoas pela conta bancária?
Que fique bem claro: ainda amo meu marido. Não há homem que eu mais deseje. Mas é difícil sustentar o romantismo no cotidiano juncado de migalhas em que nossa vida se transformou. Os laços que unem se esgarçaram com o atrito do dinheiro, das hipotecas, dos filhos, esses diabretes que de algum modo apertam o nó enquanto enfraquecem as fibras. Benjamim e eu não temos tempo para vinho gelado e salmão. E as banheiras de casa sempre têm patinhos de borracha.
Se tudo isso parece uma desgraça, não é. Meu casamento é como uma peça de roupa confortável; até as brigas têm algo de aconchegante, tão familiar que posso chamar de lar. E no entanto…
No Ocidente, há séculos criamos poemas e histórias sobre os ciclos do amor, o modo como ele toma forma e muda com o tempo, como a paixão nos agarra pela garganta arqueada em êxtase e depois nos deixa, substituída por algo mais sensato. Se Drácula – a mulher frágil, a sensualidade da submissão – reflete nossa concepção de paixão no começo de um romance, Os Flintstones é o retrato do que vivenciamos no amor no longo prazo: tudo é de pedra e meio bobo, aquela musiquinha conhecida que não sai da cabeça e que, quando sai, deixa um vazio insuportável.
Até aqui nos servimos de histórias para explicar as complexidades do amor, com contos de deuses ciumentos e flechas. Mas agora essas histórias – tão presentes em todas as civilizações – podem estar mudando, pois a ciência entra em cena para explicar o que sempre julgamos ser mito, magia. Pela primeira vez, estudos começam a esclarecer onde o amor se situa no cérebro e os detalhes de seus componentes químicos.
A antropóloga Helen Fisher, 60 anos, cabelos tingidos da cor do milho e silhueta esguia, transpira uma segurança sensual. Professora da Universidade Rutgers, mora em Nova York, num apartamento cheio de livros, perto do Central Park, onde árvores explodem em folhas no verão e os caminhos se enchem de casais de mãos dadas.
Helen dedicou boa parte de sua carreira ao estudo dos trajetos bioquímicos do amor em todas as suas manifestações: luxúria, romance, apego, como eles crescem e declinam. De pernas cruzadas, gelo tilintando no copo, ela fala com cativante franqueza dos altos e baixos do amor no mesmo tom em que a maioria de nós comenta sobre o preço do aluguel. “A mulher inconscientemente usa o orgasmo para decidir se um homem serve ou não para ela. Se ele for impaciente e ela não tiver orgasmo, poderá, por instinto, sentir que não há muita probabilidade de ele vir a ser bom marido e pai. Os cientistas especulam que o caprichoso orgasmo feminino pode ter surgido na evolução para ajudar as mulheres e distinguir entre o Príncipe Encantado e o Sapo.”
Um dos principais trabalhos de Helen na década passada foi examinar o amor, literalmente, com a ajuda de imagens por ressonância magnética. Helen e seus colegas Arthur Aron e Lucy Brown recrutaram voluntários que tinham estado “perdidamente apaixonados” por sete meses em média. Puseram essas pessoas no aparelho de ressonância magnética e lhes mostraram duas fotografias, uma neutra, a outra da pessoa amada.
O que Helen viu fascinou-a. Quando cada participante olhou o seu eleito, as partes do cérebro ligadas à recompensa e ao prazer – a área ventral tegmental e o núcleo caudado – iluminaram-se. O que mais entusiasmou Helen não foi encontrar um local, um endereço para o amor, mas rastrear seus trajetos químicos específicos. O amor ilumina o núcleo caudado porque este abriga um denso aglomerado de receptores de um neurotransmissor chamado dopamina, que Helen passou a ver como parte da nossa poção do amor endógena. Nas proporções certas, a dopamina cria intensa energia, euforia, atenção concentrada. É por isso que, quando estamos vivendo uma paixão recente, conseguimos passar a noite em claro, assistir ao nascer do Sol, apostar corrida, esquiar velozmente por um declive muito íngreme para nossa habilidade. O amor nos torna audazes, espertos, nos leva a correr riscos reais aos quais às vezes sobrevivemos, às vezes não.
Eu me apaixonei pela primeira vez aos 12 anos, por um professor. Chamava-se Sr. McArthur, era barbudo e usava sandálias. Eu nunca tivera um professor, só professoras, e achei aquilo exótico. O Sr. McArthur fazia coisas que nenhum outro professor ousava fazer. Nos explicou a física do peido. Demonstrou o processo de explodir um ovo. Fumava cigarro no recreio, reclinado no muro do colégio, e a cinza ficava cada vez mais comprida até ele removê-la com um piparote.
Que constelação única de necessidades me levou a amar um homem que fazia um ovo explodir é uma questão interessante, mas não tão interessante, para mim, quanto minhas lembranças dos fatos puramente físicos do amor. Nunca antes eu me sentira assim. Não conseguia tirar o Sr. McArthur da cabeça. Uma ânsia me consumia, e eu mordia a pele da bochecha até sentir gosto de sangue. A escola tornou-se ao mesmo tempo aterradora e excitante. Será que vou vê-lo no corredor? No refeitório? Ficava torcendo. Mas, quando meu desejo era concedido e eu vislumbrava meu homem, não me saciava, só me abrasava mais. Ele olhou para mim? Por que não olhou para mim? Quando o verei de novo? Em casa, procurei o nome dele na lista telefônica, ligava. Isso foi antes do identificador de chamadas. Ele atendia.
“Alô?” Meu coração doía, rachado ao meio. Eu desligava. Ligava de novo, mas nunca dizia nada.
Uma vez liguei tarde da noite e, pelo modo como ele atendeu, ficou claro, mesmo para uma pré-púbere como eu, que estava com uma mulher. Tinha a voz meio pastosa, e o riso dela tilintava ao fundo. Não saí da cama o dia todo.
Identificou-se? Talvez você tivesse 30 anos quando lhe aconteceu, ou 8, ou 80. Talvez morasse em Katmandu ou no Kentucky – a idade e a geografia não importam. Donatella Marazziti, professora de psiquiatria da Universidade de Pisa, Itália, estudou a bioquímica da paixonite. Ela, que se apaixonou duas vezes e sentiu seu poder avassalador, quis investigar as semelhanças entre o amor e o transtorno obsessivo-compulsivo.
Donatella e seus colegas mediram os níveis de serotonina no sangue de 24 pessoas que se haviam apaixonado nos seis meses anteriores e tinham ficado obcecadas pelo objeto de seu amor durante, no mínimo, quatro horas diárias. A serotonina é, talvez, a estrela dos nossos neurotransmissores, e é alterada pelos nossos astros da medicação psiquiátrica: Prozac, Zoloft e Paxil, entre outros. Há tempos os pesquisadores trabalham com a hipótese de que os portadores do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) sofrem um “desequilíbrio” de serotonina. Drogas como o Prozac aparentemente aliviam o TOC, aumentando a quantidade desse neurotransmissor, disponível nas conexões entre os neurônios.
Donatella comparou os níveis de serotonina dos apaixonados com os de um grupo de portadores de TOC e os de outro grupo composto de pessoas livres de paixão e de doença mental. Tanto no sangue dos obsessivos como no dos apaixonados, os níveis de serotonina estavam 40% mais baixos que no das pessoas normais. Tradução: o amor e o transtorno obsessivo-compulsivo podem ter perfil químico similar. Tradução: pode ser difícil distinguir entre amor e doença mental. Tradução: não seja tolo, evite.
Evidentemente esse é um conselho que nenhum de nós consegue seguir. Nos apaixonamos, às vezes repetidamente – e a cada vez ficamos sujeitos a um estado mental bastante doentio. Mas há esperança: Prozac. Não há nada como essa cápsula bicolor para refrear o impulso sexual e nos deixar enfastiados diante do banquete. Helen Fisher supõe que a ingestão de drogas como o Prozac compromete a capacidade de a pessoa apaixonar-se – e manter-se apaixonada. O gume do amor e a libido a ele associada são embotados, e com isso o relacionamento perde a graça. Helen diz: “Conheço um casal que estava à beira do divórcio. A esposa tomava antidepressivos. Um dia ela parou de tomar, voltou a ter orgasmos, sentiu renovar sua atração sexual pelo marido, e agora os dois estão novamente apaixonados”.
Os psicanalistas elaboraram inúmeras teorias para explicar por que nos apaixonamos por determinadas pessoas. Freud diria que a escolha é influenciada por nosso desejo não correspondido de ir para a cama com nossa mãe, se somos meninos, ou com nosso pai, se meninas. Jung achava que a paixão é impulsionada por algum tipo de inconsciente coletivo. Atualmente, psiquiatras, como Thomas Lewis, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Francisco, supõem que o amor romântico tem raízes em nossas experiências infantis com a intimidade: como nos sentíamos junto ao seio materno, ao rosto da mãe, essas sensações de conforto puro que ficam gravadas em nosso cérebro e que tentamos voltar a sentir quando adultos. Segundo essa teoria, amamos determinada pessoa não tanto em razão do futuro que esperamos construir, mas em função do passado que esperamos reaver. O amor é reativo, não proativo, ele nos conduz ao passado, o que talvez explique a sensação de que determinado alguém simplesmente parece ser “a pessoa certa”. Ou “parece familiar”. Ele, ou ela, tem certos traços, ou cheiro, ou toque ou som que ativam memórias remotas.
Quando conheci meu marido, achava que essa teoria psicológica tinha lá seus fundamentos. Meu marido era ruivo e tinha voz suave. Ele é químico, caprichoso e excêntrico. Quando ainda não estávamos casados, ele um dia embebeu uma rosa em nitrogênio líquido para que ela congelasse, depois a atirou na parede e ela se estilhaçou espetacularmente. Foi quando me apaixonei por ele. Meu pai também era ruivo, tinha voz suave e mil esquisitices. Às vezes desandava a cantar por motivos insondáveis para nós.
Acontece que minhas teorias sobre por que me apaixonei podem não passar de bobagens. A psicologia evolucionista descartou Freud e o complexo de Édipo e enfocou a simples habilidade de sobreviver. Sua hipótese é a de que tendemos a considerar atraentes, e assim eleger como parceiros, as pessoas que nos parecem sadias. E a saúde, dizem os psicólogos evolucionistas, evidencia-se em mulheres que têm uma proporção de 70% entre a cintura e os quadris e em homens de traços vigorosos, indicadores de que um bom suprimento de testosterona corre em seu sangue. A proporção entre cintura e quadris é importante para o êxito de gerar filhos, e estudos demonstraram que essa razão exata, 70%, indica maior fertilidade. Quanto à aparência viril, bem, um homem com boa dose de testosterona provavelmente também possui sistema imunológico forte e, portanto, tem maior chance de gerar filhos sadios.
Talvez a escolha de parceiros seja mera questão de seguir nosso nariz. Claus Wedekind, da Universidade de Lausanne, na Suíça, fez um experimento interessante com camisetas suadas. Pediu a 49 mulheres que cheirassem camisetas que haviam sido usadas por homens não identificados possuidores de uma variedade de genótipos que influenciam o odor corporal e o sistema imunológico. Depois pediu a elas que classificassem as camisetas com o melhor e o pior odor. Descobriu que cada mulher preferia o cheiro da camiseta usada pelo homem possuidor do genótipo que mais diferia do dela, um genótipo que, talvez, esteja associado a um sistema imunológico dotado de alguma coisa que a mulher não tem. Desse modo, ela aumenta sua chance de ter filhos saudáveis.
Parece bom demais para ser verdade, isso de sermos tão programados e, no entanto, inconscientes da programação. Porque, pelo que eu saiba, ninguém jamais declarou: “Casei com ele por causa de seu odor corporal”. Que nada. Dizemos: “Casei com ele (ou ela) por sua inteligência, beleza, presença de espírito, bondade”. Mas podemos estar tão iludidos com respeito ao amor quanto estamos quando nos apaixonamos. Se tudo se resume a um teste olfativo, então os cães estão em tremenda vantagem na hora de escolher parceiros.
A paixão, porém, não dura. Por quê? Como é possível achar uma pessoa bela na segunda-feira e 365 dias depois, em outra segunda-feira, achá-la sem graça? Com certeza o objeto de sua afeição não terá mudado tanto. Ainda tem o mesmo formato dos olhos. A voz ainda guarda aquele tom rouco, só que agora irrita – parece pedir um antibiótico. Ou talvez seja você quem precise de antibiótico, pois a pessoa que você adorava e idolatrava, e que via envolta em estrelas, agora mais parece uma infecção branda, que cansa, suga todas as suas forças.
Estudos do mundo todo confirmam que, de fato, a paixão acaba. Seu fim é tão comum quanto a labareda inicial. Não admira que em algumas culturas se considere tolice escolher um parceiro para a vida inteira com base em algo tão passageiro. Helen Fisher supõe que muitos relacionamentos são rompidos depois de quatro anos, porque esse é o tempo necessário para criar um filho até o fim da primeira infância. A paixão, esse sentimento exaltado, revela-se prática, pois. Não precisamos apenas copular, também necessitamos de paixão suficiente para começar a prole, e então sentimentos de afeição assumem as rédeas quando os parceiros se unem para criar um indefeso bebê humano. Depois que a criança sai da fase de amamentação, pode ser deixada com uma irmã, uma tia ou amigas. E então seus genitores ficam livres para encontrar outro parceiro e ter mais filhos.
As razões para o declínio do amor podem ser encontradas no modo como nosso cérebro reage ao surto e às emissões periódicas de dopamina que acompanham a paixão e nos põem no sétimo céu. Usuários de cocaína descrevem o fenômeno da tolerância: o cérebro adapta-se à entrada excessiva da droga. Talvez os neurônios sejam dessensibilizados e precisem de cada vez mais para produzir o barato – para fabricar o pó de pirlimpimpim, metaforicamente falando.
Talvez seja bom que o romance esfrie. Será que teríamos estradas, pontes, aviões, celulares e vacinas se todo mundo andasse zureta o tempo inteiro? Em vez da constante evolução tecnológica que tem marcado a cultura humana, só teríamos bombons, buquês e controle de natalidade. Falando sério: se o estado quimicamente alterado induzido pelo amor romântico tem semelhanças com a doença mental ou com a euforia das drogas, expor-se a ele por tempo excessivo poderia acarretar dano psicológico. Uma boa vida sexual pode ser tão forte quanto a Super Bonder, mas quem quer um troço desses grudado na pele?
Era uma vez, na Índia, um rapaz e uma moça que se apaixonaram sem permissão dos pais. Eram de castas diferentes, e seu relacionamento, radical e ilícito. Imagine: o sári cintilante, o moço trajando linho branco, os encontros clandestinos em terraços de lajota à luz da Lua cheia. Quem poderia negar a esses apaixonados seu prazer ou condenar a força de sua atração?
Os pais. Recentemente, um rapaz e uma moça de castas diferentes foram enforcados pelas mãos de seus pais na presença de centenas de aldeões. Um casal que fugiu para casar-se foi despido e espancado. Outro casal suicidou-se depois que os pais proibiram seu casamento.
Os antropólogos achavam que o amor era uma invenção ocidental, um subproduto burguês da Idade Média. Romance era para os chiques, acontecia nos cafés, regado a vinho e canapés, ou em lençóis de seda. Supunha-se que os não-ocidentais, com suas muitas obrigações familiares e sociais, não tinham espaço para paixões particulares. Como uma cultura coletivista podia celebrar ou, de algum modo, sancionar a obsessão por um indivíduo que define um amor recente? Um camponês piolhento podia realmente sentir paixão?
Com certeza, como se constatou. Hoje, os cientistas supõem que o amor é pan-humano e está embutido em nosso cérebro desde o Plistoceno. Em um estudo de 166 culturas, os antropólogos William Jankowiak e Edward Fisher encontraram indícios de amor apaixonado em 147 delas. Em outro estudo, pediu-se a homens e mulheres da Europa, do Japão e das Filipinas que respondessem a um questionário para medir suas experiências de amor. Os três grupos declararam sentir paixão com a mesma intensidade abrasadora.
Mas, embora o amor romântico possa ser universal, sua expressão cultural não é. Para a tribo Fulbe, do norte de Camarões, a pose é mais importante. Eles riem dos homens que passam tempo demais com as esposas, e, quando alguém se pega suspirando pelos cantos, pensa que foi vítima de algum feitiço. O amor é inevitável, mas, para os fulbes, suas manifestações são vergonhosas, equiparadas a doença e desajuste social.
Na Índia, o amor romântico é visto como uma ameaça a um bem arquitetado sistema de castas, no qual os casamentos são arranjados para preservar a linhagem e os laços ancestrais. O que explica as histórias pavorosas, os avisos embutidos nas fábulas sobre o que acontece quando alguém se permite levar por impulsos caprichosos.
Mas hoje em dia o casamento por amor parece estar em alta na Índia, contrariando os desejos dos pais. O triunfo do amor romântico é celebrado nos filmes de Bollywood. Apesar disso, a maioria dos indianos ainda acha que casamentos arranjados têm maior probabilidade de êxito. Em uma pesquisa com universitários indianos, 76% afirmaram que se casariam com alguém que tivesse as qualidades certas, mesmo se não estivessem apaixonados pela pessoa (em comparação com apenas 14% dos americanos). O casamento é considerado um passo importante demais para ser deixado à mercê da sorte.
Renu Dinakaran é uma deslumbrante mulher de 45 anos que vive em Bangalore. Quando a conheci, ela usava traje ocidental: legging preta e camiseta. Renu mora num apartamento bem montado na cidade apinhada, onde vacas dormem nas avenidas no meio de automóveis minúsculos, que passam zunindo em volta, e tufos de fumaça escura sobem de chaminés fuliginosas.
Renu nasceu em uma família indiana tradicional que observa o costume do casamento arranjado. Só que ela não é do tipo que se deixa arranjar. Emergiu da meninice como uma vigorosa tenista, suada demais para entrar num sári e mais inteligente que muitos dos homens que a cercavam. Ainda assim, aos 17 anos, casaram-na com um primo-irmão, um homem que ela mal conhecia, a quem ela quis aprender a amar, mas não conseguiu. Para Renu, os casamentos arranjados são como atos de “estupro sancionados pelo Estado”.
Renu ansiava apaixonar-se pelo marido, mas, quanto mais os anos passavam, menos amor ela sentia, até que, extenuada e amargurada, escondia-se atrás das cortinas da casa dos sogros para espiar, sequiosa, o casal na sacada da frente. “Era óbvio para mim que eles se casaram por amor, e eu os invejava. Me doía ver como eles ficavam juntos, como saíam para comprar pão e ovos.”
Exausta de ser forçada ao confinamento, de ser embrulhada em sáris que lhe tolhiam os movimentos, de resistir à pressão para comer no prato do marido, Renu fez o que a cultura indiana tradicional proíbe. Foi embora. Tinha dois filhos. Levou-os consigo. Pensava sempre em um velho filme que vira na televisão, um filme estranho e fascinante, desnorteante e confortador, que não lhe saía da cabeça. Chama-se Love Story.
“Antes de ter visto filmes como Love Story, eu desconhecia o poder do amor”, diz ela. Renu teve sorte, por fim. Em Mumbai, conheceu um homem chamado Anil, e foi então que Renu, pela primeira vez, sentiu paixão. “Quando encontrei Anil, aconteceu o que até então eu desconhecia. Ele foi o primeiro homem com quem tive um orgasmo. Eu vivia em êxtase, um êxtase absoluto, o tempo inteiro. E sabia que não duraria para sempre, não podia durar. Por isso, aquilo vinha permeado de uma sensação de saudade, quase como se estivéssemos vendo o fim aproximar-se enquanto ainda estávamos descobrindo um ao outro.”
Quando Renu fala em fim, decerto não é do relacionamento com Anil a que ela se refere, mas ao fim de uma determinada fase. Os dois, com o cão dachshund preto brincalhão que compraram juntos, continuam casados e felizes, são companheiros, amam-se, mesmo que não estejam “loucos de paixão”. A fogueira que outrora os consumia agora parece ter-se acalmado, baixado a uma temperatura mais branda e constante, suficiente para mantê-los bem alimentados e aquecidos. Eles são gratos. “Se eu quero toda aquela paixão de volta?”, pergunta Renu. “Às vezes, sim. Mas, para ser franca, era extenuante.”
Do ponto de vista fisiológico, esse casal passou do estado de amor romântico encharcado de dopamina para a relativa serenidade de uma união induzida pela oxitocina. Esse é um hormônio que favorece o sentimento de conexão, de ligação. É liberado quando abraçamos o nosso parceiro de longa data ou nossos filhos. É liberado quando a mãe amamenta o bebê. Os arganazes-do-campo, animais com altos níveis de oxitocina, mantêm o mesmo parceiro a vida toda. Quando os cientistas bloqueiam os receptores de oxitocina nesses roedores, não se formam laços monogâmicos, e eles tendem a trocar de parceiro. Estudiosos avaliam a hipótese de que o autismo, distúrbio caracterizado por profunda incapacidade de estabelecer e manter conexões sociais, esteja associado à deficiência de oxitocina. Em experimentos, cientistas ministraram oxitocina a autistas, e em alguns casos isso ajudou a aliviar sintomas.
Acredita-se que nos relacionamentos de longo prazo bem-sucedidos – como o de Renu e Anil – a oxitocina seja abundante nos dois parceiros. Nos relacionamentos de longo prazo que nunca chegam a decolar, como o de Renu e seu primeiro marido, ou que despencam assim que a viagem acaba, há boas probabilidades de que o casal não tenha encontrado um modo de estimular ou sustentar a produção de oxitocina. “Existem meios de ajudar o processo”, ensina Helen Fisher. “Massagem. Fazer amor. Essas coisas favorecem a liberação de oxitocina e com isso nos fazem sentir bem mais próximos do nosso parceiro.”
Deve ser um bom conselho, eu acho, mas se baseia na hipótese de que você ainda quer fazer amor com o falastrão do seu marido. O negócio então é fingir até conseguir?
“Sim”, diz Helen. “Supondo um relacionamento razoavelmente sadio, se você tiver orgasmos suficientes com seu parceiro, pode adquirir apego a ele. Porque estará estimulando a oxitocina.”
Pode ser verdade. Mas parece desagradável. É exatamente o que nossa mãe sempre dizia sobre os legumes: “Continue comendo ervilhas. A gente não nasce gostando, o gosto vem com o tempo.” Mas eu até hoje não sou chegada a ervilha.
O calor é de 32 graus no dia em que meu marido e eu viajamos de Boston a Nova York para participar de um curso de beijo. Com dois filhos, dois gatos, dois cachorros e uma casa, poderíamos já saber beijar, mas, na balbúrdia da nossa vida corrida, de fato havíamos desaprendido.
O céu está forrado de nuvens, e o ar, grudento como a geléia que temos nas mãos e no pescoço. A Escola de Beijo, dirigida por Cherie Byrd, terapeuta de Seattle, funciona no 12o andar de um prédio decrépito em Manhattan. Lá dentro, na sala de paredes caiadas, garrafas com néctar de banana e damasco, um bule de chá verde, pastilhas de hortelã para o hálito e protetor labial estão servidos sobre uma mesa azulejada. Os outros alunos da Escola de Beijo – às vezes vem gente até do Vietnã e da Nigéria – estão alegremente esparramados pelo chão, em cima de travesseiros e cobertores. A aula terá sete horas.
Cherie começa com fricções nos pés. “Para ser bom beijador, você precisa aprender a fazer as preliminares.” As preliminares requerem que eu massageie os pés chulepentos do meu marido, mas o pior é quando ele tem de massagear os meus. Pouco antes de sairmos de casa, eu tinha pisado numa fralda que o cachorro havia tirado da lixeira para brincar e, embora tivesse lavado o pé, agora me perguntava se o fizera direito.
“Inspire”, diz Cherie, e nos mostra como sorver o ar. “Expire”, comanda, esmurrando as costas do meu marido. “Não se concentre tanto nos dedos”, recomenda. “Vá para a panturrilha.”
Cherie fala outras coisas sobre a arte de beijar. Descreve a movimentação da energia pelos vários chakras, a manifestação da emoção nos lábios, discorre sobre a importância de abraçar em todos os sentidos da palavra, sobre como fazer contato visual como um prelúdio, como sussurrar da maneira ideal. Muitas horas se passam. Meu celular toca. É a baby-sitter. Nosso bebê de 1 ano está com febre alta. Somos obrigados a interromper a lição. Saímos às pressas. Mais tarde, conto aos amigos o que aprendemos na Escola de Beijo: que não temos tempo para beijar.
Um casamento muito típico, realmente. Amor no mundo ocidental.
Ainda bem que aprendi outras opções para fazer o amor pegar no tranco. Arthur Aron, psicólogo da Universidade Stony Brook, em Nova York, fez um experimento que elucida alguns dos mecanismos pelos quais a atração entre duas pessoas nasce e se mantém. Ele recrutou um grupo de homens e mulheres, pôs pares do sexo oposto em salas e deu a cada um várias tarefas, entre as quais contar ao outro detalhes sobre si mesmo. Em seguida, pediu a cada casal que se olhasse nos olhos por dois minutos. Depois do encontro, a maioria daqueles casais, pessoas que antes não se conheciam, informou a Aron estar sentindo atração. De fato, um dos pares acabou se casando.
Helen afirma que esse exercício opera maravilhas. Aron e Helen também sugerem fazer coisas novas juntos, pois a novidade libera dopamina no cérebro, o que pode estimular sentimentos de atração. Em outras palavras, se o seu coração dispara na presença dele, você pode decidir que não é por ansiedade, mas porque você o ama. Levando a idéia um passo além, Aron e outros constataram que, mesmo se você apenas correr sem sair do lugar e em seguida encontrar alguém, aumentará sua probabilidade de considerar essa pessoa atraente. Por isso, um primeiro encontro que envolver uma atividade que mexe com os nervos, como andar de montanha-russa, terá maior probabilidade de levar a um segundo e a um terceiro encontros. É uma estratégia que as agências matrimoniais deviam ensinar a seus clientes. Jogue uma partida de tênis. E em momentos de grande tensão – desastres naturais, blecaute, predadores rondando – tranque as portas e abrace seu parceiro.
Em Sommerville, Massachusetts, onde moro com meu marido, nossos maiores predadores são os mosquitos. Nem por isso cada um de nós precisa deixar de tentar entrar pela janela da alma do outro. Quando faço essa proposta a Benjamim, ele mostra uma cara de dúvida.
“Por quê, em vez disso, não saímos para provar comida cambojana?”, sugere. “Porque não foi assim que o experimento aconteceu”, respondo.
Meu marido, sendo cientista, não iria perder a chance de comprovar um experimento. Mas vivemos tão ocupados que, para pô-lo em prática, precisamos fazer um plano: nos encontraremos na próxima quarta-feira na hora do almoço e tentaremos experimentar em nosso carro.
Na terça, véspera do nosso rendez-vous, preciso fazer uma viagem não planejada a Nova York. Meu marido não se incomoda nem um pouco em cancelarmos nosso encontro. Mas eu, sim. Naquela noite, telefono para ele do quarto do hotel.
“Podemos fazer pelo telefone”, digo.
“O que devo fitar? O teclado?”
“Tem uma foto minha na parede. Olhe para ela por dois minutos. E eu vou olhar uma foto sua que tenho na carteira.”
“Você está brincando, não está?”
“Ah, vá, por favor! É melhor do que nada.”
Não sei, não. Dois minutos parecem uma eternidade para ficar com o telefone no ouvido fitando o retrato de alguém. Meu marido espirra, e eu imagino sua foto espirrando junto. Acabo rindo.
Mais 15 segundos se passam lentamente, cada segundo se arrasta até que quase ouço o tempo, sinto o tempo, sua textura de puxa-puxa, o estalo que faz quando finalmente passa. Pop… Pop… Pop. Olho e olho a foto do meu marido. Isso não produz nenhuma sensação de surpreendente intimidade, e eu me sinto derrotada.
Mas insisto. Posso ouvir a respiração dele do outro lado da linha. A foto que vejo foi tirada há mais ou menos um ano, coube certinho na minha carteira, seus cabelos cor de cenoura presos num rabo-de-cavalo. Eu nunca prestara muita atenção nela. Percebo então que, na foto, meu marido não está olhando para mim. Seus olhos azul-claros estão voltados para o lado esquerdo, mirando algo que não posso ver. Toco em seus olhos. Examino mais de perto seu rosto que não me olha. Há algo de triste na expressão dele, algo de triste no modo como ele olha para outro lugar?
Examino o canto da foto para descobrir o que ele está olhando e vejo uma tartaruguinha que vem na direção dele. Agora me recordo como ele a apanhou depois que a foto foi batida, como a segurou com delicadeza, mostrou-a às crianças, acariciou a carapaça com o indicador no bojo escamoso, como ele me estendeu a mão com o bichinho, uma oferta de amor. Eu a peguei, e juntos a pusemos de volta no mar.
por Lauren Slater
Fonte:http://viajeaqui.abril.com.br/materias/seducao-amor?pw=1
O que fazer? As bodas já tinham ido, o silêncio era sufocante, e eu estava com aquela conhecida sensação de decepção que a gente sente depois que passa um acontecimento muito esperado. Estávamos casados. Êêêê, viva! Decidi dar uma caminhada. Fui até o centro da cidade, grudei o nariz na vitrine de uma padaria. Fiquei olhando o homem de mãos enfarinhadas, a massa lisinha como pele que ele amassou, amassou, puxou, puxou e moldou em forma de estrelas. Xeretei uma loja de antigüidades. Por fim, dei de cara com o salão de tatuagens da cidade. Não sou do tipo que usa tatuagens, mas, não sei por quê, naquele domingo gelado e tranqüilo resolvi entrar. “Pois não?”, disse uma mulher. “Você tem aí alguma tatuagem que não seja permanente?”, perguntei. “Tatuagens de hena”, respondeu ela.
Explicou que duravam seis semanas, eram usadas nos casamentos indianos, ficavam bem nítidas, lindas e marrons. Mostrou-me fotos de indianas de jóias no nariz e os braços ornados com rendilhados e arabescos de hena. Eram mesmo belíssimas, nada tinham daqueles desenhos espalhafatosos e caricaturescos das tatuagens que vemos por aí. Aquelas de hena falavam de enleios, da trama que se tece entre duas pessoas, de laços que unem e do quanto é difícil descobrir onde começam e onde terminam. E eu, que acabara de me casar, que sentia um desalento pós-núpcias e que desejava alguma coisa bem romântica para incrementar minha noite, decidi fazer uma.
“Onde?”, quis saber ela. “Aqui”, falei, apontando os seios e o ventre. Ela ergueu as sobrancelhas. “Tudo bem”, disse.
Sou uma pessoa recatada. Mas tirei a blusa, deitei na mesa, ouvi a mulher misturando pós e tintas na sala dos fundos. Ela veio com uma tigelinha que continha um mingau vermelho vivo, cintilante. E me adornou. Deu-me videiras e flores. Transformou meu corpo em estaca para sustentar novas ramagens e, por fim, mais embaixo, contornou meus quadris com um cinto de castidade de elos encadeados. Uma hora depois, seca a tinta, vesti-me e fui para casa, ao encontro da minha cara-metade. Aquele, eu sabia, era meu presente para ele, o tipo de presente que a gente só dá uma vez na vida. Deixei que ele me despisse.
“Uau!”, falou ele, recuando um pouco.
Corei, e começamos.
Não estamos mais começando, meu marido e eu. Isso não me surpreende. Mesmo naquela época, usando os ornatos do desejo, as tatuagens sinuosas, eu sabia que elas desbotariam, que aquela cor fulva iria esmaecer até sumir. No dia do meu casamento, eu não me importava.
Hoje me importo. Oito anos depois, branquela como um lençol, aqui estou, com todos os quilos extras e a bagagem trazidos pelo tempo. E as questões só ficaram mais prementes. A paixão necessariamente arrefece com o tempo? Até que ponto podemos confiar no amor romântico como recurso para escolher o parceiro? Um casamento pode ser bom quando Eros é substituído pela amizade ou mesmo pela sociedade econômica que liga duas pessoas pela conta bancária?
Que fique bem claro: ainda amo meu marido. Não há homem que eu mais deseje. Mas é difícil sustentar o romantismo no cotidiano juncado de migalhas em que nossa vida se transformou. Os laços que unem se esgarçaram com o atrito do dinheiro, das hipotecas, dos filhos, esses diabretes que de algum modo apertam o nó enquanto enfraquecem as fibras. Benjamim e eu não temos tempo para vinho gelado e salmão. E as banheiras de casa sempre têm patinhos de borracha.
Se tudo isso parece uma desgraça, não é. Meu casamento é como uma peça de roupa confortável; até as brigas têm algo de aconchegante, tão familiar que posso chamar de lar. E no entanto…
No Ocidente, há séculos criamos poemas e histórias sobre os ciclos do amor, o modo como ele toma forma e muda com o tempo, como a paixão nos agarra pela garganta arqueada em êxtase e depois nos deixa, substituída por algo mais sensato. Se Drácula – a mulher frágil, a sensualidade da submissão – reflete nossa concepção de paixão no começo de um romance, Os Flintstones é o retrato do que vivenciamos no amor no longo prazo: tudo é de pedra e meio bobo, aquela musiquinha conhecida que não sai da cabeça e que, quando sai, deixa um vazio insuportável.
Até aqui nos servimos de histórias para explicar as complexidades do amor, com contos de deuses ciumentos e flechas. Mas agora essas histórias – tão presentes em todas as civilizações – podem estar mudando, pois a ciência entra em cena para explicar o que sempre julgamos ser mito, magia. Pela primeira vez, estudos começam a esclarecer onde o amor se situa no cérebro e os detalhes de seus componentes químicos.
A antropóloga Helen Fisher, 60 anos, cabelos tingidos da cor do milho e silhueta esguia, transpira uma segurança sensual. Professora da Universidade Rutgers, mora em Nova York, num apartamento cheio de livros, perto do Central Park, onde árvores explodem em folhas no verão e os caminhos se enchem de casais de mãos dadas.
Helen dedicou boa parte de sua carreira ao estudo dos trajetos bioquímicos do amor em todas as suas manifestações: luxúria, romance, apego, como eles crescem e declinam. De pernas cruzadas, gelo tilintando no copo, ela fala com cativante franqueza dos altos e baixos do amor no mesmo tom em que a maioria de nós comenta sobre o preço do aluguel. “A mulher inconscientemente usa o orgasmo para decidir se um homem serve ou não para ela. Se ele for impaciente e ela não tiver orgasmo, poderá, por instinto, sentir que não há muita probabilidade de ele vir a ser bom marido e pai. Os cientistas especulam que o caprichoso orgasmo feminino pode ter surgido na evolução para ajudar as mulheres e distinguir entre o Príncipe Encantado e o Sapo.”
Um dos principais trabalhos de Helen na década passada foi examinar o amor, literalmente, com a ajuda de imagens por ressonância magnética. Helen e seus colegas Arthur Aron e Lucy Brown recrutaram voluntários que tinham estado “perdidamente apaixonados” por sete meses em média. Puseram essas pessoas no aparelho de ressonância magnética e lhes mostraram duas fotografias, uma neutra, a outra da pessoa amada.
O que Helen viu fascinou-a. Quando cada participante olhou o seu eleito, as partes do cérebro ligadas à recompensa e ao prazer – a área ventral tegmental e o núcleo caudado – iluminaram-se. O que mais entusiasmou Helen não foi encontrar um local, um endereço para o amor, mas rastrear seus trajetos químicos específicos. O amor ilumina o núcleo caudado porque este abriga um denso aglomerado de receptores de um neurotransmissor chamado dopamina, que Helen passou a ver como parte da nossa poção do amor endógena. Nas proporções certas, a dopamina cria intensa energia, euforia, atenção concentrada. É por isso que, quando estamos vivendo uma paixão recente, conseguimos passar a noite em claro, assistir ao nascer do Sol, apostar corrida, esquiar velozmente por um declive muito íngreme para nossa habilidade. O amor nos torna audazes, espertos, nos leva a correr riscos reais aos quais às vezes sobrevivemos, às vezes não.
Eu me apaixonei pela primeira vez aos 12 anos, por um professor. Chamava-se Sr. McArthur, era barbudo e usava sandálias. Eu nunca tivera um professor, só professoras, e achei aquilo exótico. O Sr. McArthur fazia coisas que nenhum outro professor ousava fazer. Nos explicou a física do peido. Demonstrou o processo de explodir um ovo. Fumava cigarro no recreio, reclinado no muro do colégio, e a cinza ficava cada vez mais comprida até ele removê-la com um piparote.
Que constelação única de necessidades me levou a amar um homem que fazia um ovo explodir é uma questão interessante, mas não tão interessante, para mim, quanto minhas lembranças dos fatos puramente físicos do amor. Nunca antes eu me sentira assim. Não conseguia tirar o Sr. McArthur da cabeça. Uma ânsia me consumia, e eu mordia a pele da bochecha até sentir gosto de sangue. A escola tornou-se ao mesmo tempo aterradora e excitante. Será que vou vê-lo no corredor? No refeitório? Ficava torcendo. Mas, quando meu desejo era concedido e eu vislumbrava meu homem, não me saciava, só me abrasava mais. Ele olhou para mim? Por que não olhou para mim? Quando o verei de novo? Em casa, procurei o nome dele na lista telefônica, ligava. Isso foi antes do identificador de chamadas. Ele atendia.
“Alô?” Meu coração doía, rachado ao meio. Eu desligava. Ligava de novo, mas nunca dizia nada.
Uma vez liguei tarde da noite e, pelo modo como ele atendeu, ficou claro, mesmo para uma pré-púbere como eu, que estava com uma mulher. Tinha a voz meio pastosa, e o riso dela tilintava ao fundo. Não saí da cama o dia todo.
Identificou-se? Talvez você tivesse 30 anos quando lhe aconteceu, ou 8, ou 80. Talvez morasse em Katmandu ou no Kentucky – a idade e a geografia não importam. Donatella Marazziti, professora de psiquiatria da Universidade de Pisa, Itália, estudou a bioquímica da paixonite. Ela, que se apaixonou duas vezes e sentiu seu poder avassalador, quis investigar as semelhanças entre o amor e o transtorno obsessivo-compulsivo.
Donatella e seus colegas mediram os níveis de serotonina no sangue de 24 pessoas que se haviam apaixonado nos seis meses anteriores e tinham ficado obcecadas pelo objeto de seu amor durante, no mínimo, quatro horas diárias. A serotonina é, talvez, a estrela dos nossos neurotransmissores, e é alterada pelos nossos astros da medicação psiquiátrica: Prozac, Zoloft e Paxil, entre outros. Há tempos os pesquisadores trabalham com a hipótese de que os portadores do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) sofrem um “desequilíbrio” de serotonina. Drogas como o Prozac aparentemente aliviam o TOC, aumentando a quantidade desse neurotransmissor, disponível nas conexões entre os neurônios.
Donatella comparou os níveis de serotonina dos apaixonados com os de um grupo de portadores de TOC e os de outro grupo composto de pessoas livres de paixão e de doença mental. Tanto no sangue dos obsessivos como no dos apaixonados, os níveis de serotonina estavam 40% mais baixos que no das pessoas normais. Tradução: o amor e o transtorno obsessivo-compulsivo podem ter perfil químico similar. Tradução: pode ser difícil distinguir entre amor e doença mental. Tradução: não seja tolo, evite.
Evidentemente esse é um conselho que nenhum de nós consegue seguir. Nos apaixonamos, às vezes repetidamente – e a cada vez ficamos sujeitos a um estado mental bastante doentio. Mas há esperança: Prozac. Não há nada como essa cápsula bicolor para refrear o impulso sexual e nos deixar enfastiados diante do banquete. Helen Fisher supõe que a ingestão de drogas como o Prozac compromete a capacidade de a pessoa apaixonar-se – e manter-se apaixonada. O gume do amor e a libido a ele associada são embotados, e com isso o relacionamento perde a graça. Helen diz: “Conheço um casal que estava à beira do divórcio. A esposa tomava antidepressivos. Um dia ela parou de tomar, voltou a ter orgasmos, sentiu renovar sua atração sexual pelo marido, e agora os dois estão novamente apaixonados”.
Os psicanalistas elaboraram inúmeras teorias para explicar por que nos apaixonamos por determinadas pessoas. Freud diria que a escolha é influenciada por nosso desejo não correspondido de ir para a cama com nossa mãe, se somos meninos, ou com nosso pai, se meninas. Jung achava que a paixão é impulsionada por algum tipo de inconsciente coletivo. Atualmente, psiquiatras, como Thomas Lewis, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Francisco, supõem que o amor romântico tem raízes em nossas experiências infantis com a intimidade: como nos sentíamos junto ao seio materno, ao rosto da mãe, essas sensações de conforto puro que ficam gravadas em nosso cérebro e que tentamos voltar a sentir quando adultos. Segundo essa teoria, amamos determinada pessoa não tanto em razão do futuro que esperamos construir, mas em função do passado que esperamos reaver. O amor é reativo, não proativo, ele nos conduz ao passado, o que talvez explique a sensação de que determinado alguém simplesmente parece ser “a pessoa certa”. Ou “parece familiar”. Ele, ou ela, tem certos traços, ou cheiro, ou toque ou som que ativam memórias remotas.
Quando conheci meu marido, achava que essa teoria psicológica tinha lá seus fundamentos. Meu marido era ruivo e tinha voz suave. Ele é químico, caprichoso e excêntrico. Quando ainda não estávamos casados, ele um dia embebeu uma rosa em nitrogênio líquido para que ela congelasse, depois a atirou na parede e ela se estilhaçou espetacularmente. Foi quando me apaixonei por ele. Meu pai também era ruivo, tinha voz suave e mil esquisitices. Às vezes desandava a cantar por motivos insondáveis para nós.
Acontece que minhas teorias sobre por que me apaixonei podem não passar de bobagens. A psicologia evolucionista descartou Freud e o complexo de Édipo e enfocou a simples habilidade de sobreviver. Sua hipótese é a de que tendemos a considerar atraentes, e assim eleger como parceiros, as pessoas que nos parecem sadias. E a saúde, dizem os psicólogos evolucionistas, evidencia-se em mulheres que têm uma proporção de 70% entre a cintura e os quadris e em homens de traços vigorosos, indicadores de que um bom suprimento de testosterona corre em seu sangue. A proporção entre cintura e quadris é importante para o êxito de gerar filhos, e estudos demonstraram que essa razão exata, 70%, indica maior fertilidade. Quanto à aparência viril, bem, um homem com boa dose de testosterona provavelmente também possui sistema imunológico forte e, portanto, tem maior chance de gerar filhos sadios.
Talvez a escolha de parceiros seja mera questão de seguir nosso nariz. Claus Wedekind, da Universidade de Lausanne, na Suíça, fez um experimento interessante com camisetas suadas. Pediu a 49 mulheres que cheirassem camisetas que haviam sido usadas por homens não identificados possuidores de uma variedade de genótipos que influenciam o odor corporal e o sistema imunológico. Depois pediu a elas que classificassem as camisetas com o melhor e o pior odor. Descobriu que cada mulher preferia o cheiro da camiseta usada pelo homem possuidor do genótipo que mais diferia do dela, um genótipo que, talvez, esteja associado a um sistema imunológico dotado de alguma coisa que a mulher não tem. Desse modo, ela aumenta sua chance de ter filhos saudáveis.
Parece bom demais para ser verdade, isso de sermos tão programados e, no entanto, inconscientes da programação. Porque, pelo que eu saiba, ninguém jamais declarou: “Casei com ele por causa de seu odor corporal”. Que nada. Dizemos: “Casei com ele (ou ela) por sua inteligência, beleza, presença de espírito, bondade”. Mas podemos estar tão iludidos com respeito ao amor quanto estamos quando nos apaixonamos. Se tudo se resume a um teste olfativo, então os cães estão em tremenda vantagem na hora de escolher parceiros.
A paixão, porém, não dura. Por quê? Como é possível achar uma pessoa bela na segunda-feira e 365 dias depois, em outra segunda-feira, achá-la sem graça? Com certeza o objeto de sua afeição não terá mudado tanto. Ainda tem o mesmo formato dos olhos. A voz ainda guarda aquele tom rouco, só que agora irrita – parece pedir um antibiótico. Ou talvez seja você quem precise de antibiótico, pois a pessoa que você adorava e idolatrava, e que via envolta em estrelas, agora mais parece uma infecção branda, que cansa, suga todas as suas forças.
Estudos do mundo todo confirmam que, de fato, a paixão acaba. Seu fim é tão comum quanto a labareda inicial. Não admira que em algumas culturas se considere tolice escolher um parceiro para a vida inteira com base em algo tão passageiro. Helen Fisher supõe que muitos relacionamentos são rompidos depois de quatro anos, porque esse é o tempo necessário para criar um filho até o fim da primeira infância. A paixão, esse sentimento exaltado, revela-se prática, pois. Não precisamos apenas copular, também necessitamos de paixão suficiente para começar a prole, e então sentimentos de afeição assumem as rédeas quando os parceiros se unem para criar um indefeso bebê humano. Depois que a criança sai da fase de amamentação, pode ser deixada com uma irmã, uma tia ou amigas. E então seus genitores ficam livres para encontrar outro parceiro e ter mais filhos.
As razões para o declínio do amor podem ser encontradas no modo como nosso cérebro reage ao surto e às emissões periódicas de dopamina que acompanham a paixão e nos põem no sétimo céu. Usuários de cocaína descrevem o fenômeno da tolerância: o cérebro adapta-se à entrada excessiva da droga. Talvez os neurônios sejam dessensibilizados e precisem de cada vez mais para produzir o barato – para fabricar o pó de pirlimpimpim, metaforicamente falando.
Talvez seja bom que o romance esfrie. Será que teríamos estradas, pontes, aviões, celulares e vacinas se todo mundo andasse zureta o tempo inteiro? Em vez da constante evolução tecnológica que tem marcado a cultura humana, só teríamos bombons, buquês e controle de natalidade. Falando sério: se o estado quimicamente alterado induzido pelo amor romântico tem semelhanças com a doença mental ou com a euforia das drogas, expor-se a ele por tempo excessivo poderia acarretar dano psicológico. Uma boa vida sexual pode ser tão forte quanto a Super Bonder, mas quem quer um troço desses grudado na pele?
Era uma vez, na Índia, um rapaz e uma moça que se apaixonaram sem permissão dos pais. Eram de castas diferentes, e seu relacionamento, radical e ilícito. Imagine: o sári cintilante, o moço trajando linho branco, os encontros clandestinos em terraços de lajota à luz da Lua cheia. Quem poderia negar a esses apaixonados seu prazer ou condenar a força de sua atração?
Os pais. Recentemente, um rapaz e uma moça de castas diferentes foram enforcados pelas mãos de seus pais na presença de centenas de aldeões. Um casal que fugiu para casar-se foi despido e espancado. Outro casal suicidou-se depois que os pais proibiram seu casamento.
Os antropólogos achavam que o amor era uma invenção ocidental, um subproduto burguês da Idade Média. Romance era para os chiques, acontecia nos cafés, regado a vinho e canapés, ou em lençóis de seda. Supunha-se que os não-ocidentais, com suas muitas obrigações familiares e sociais, não tinham espaço para paixões particulares. Como uma cultura coletivista podia celebrar ou, de algum modo, sancionar a obsessão por um indivíduo que define um amor recente? Um camponês piolhento podia realmente sentir paixão?
Com certeza, como se constatou. Hoje, os cientistas supõem que o amor é pan-humano e está embutido em nosso cérebro desde o Plistoceno. Em um estudo de 166 culturas, os antropólogos William Jankowiak e Edward Fisher encontraram indícios de amor apaixonado em 147 delas. Em outro estudo, pediu-se a homens e mulheres da Europa, do Japão e das Filipinas que respondessem a um questionário para medir suas experiências de amor. Os três grupos declararam sentir paixão com a mesma intensidade abrasadora.
Mas, embora o amor romântico possa ser universal, sua expressão cultural não é. Para a tribo Fulbe, do norte de Camarões, a pose é mais importante. Eles riem dos homens que passam tempo demais com as esposas, e, quando alguém se pega suspirando pelos cantos, pensa que foi vítima de algum feitiço. O amor é inevitável, mas, para os fulbes, suas manifestações são vergonhosas, equiparadas a doença e desajuste social.
Na Índia, o amor romântico é visto como uma ameaça a um bem arquitetado sistema de castas, no qual os casamentos são arranjados para preservar a linhagem e os laços ancestrais. O que explica as histórias pavorosas, os avisos embutidos nas fábulas sobre o que acontece quando alguém se permite levar por impulsos caprichosos.
Mas hoje em dia o casamento por amor parece estar em alta na Índia, contrariando os desejos dos pais. O triunfo do amor romântico é celebrado nos filmes de Bollywood. Apesar disso, a maioria dos indianos ainda acha que casamentos arranjados têm maior probabilidade de êxito. Em uma pesquisa com universitários indianos, 76% afirmaram que se casariam com alguém que tivesse as qualidades certas, mesmo se não estivessem apaixonados pela pessoa (em comparação com apenas 14% dos americanos). O casamento é considerado um passo importante demais para ser deixado à mercê da sorte.
Renu Dinakaran é uma deslumbrante mulher de 45 anos que vive em Bangalore. Quando a conheci, ela usava traje ocidental: legging preta e camiseta. Renu mora num apartamento bem montado na cidade apinhada, onde vacas dormem nas avenidas no meio de automóveis minúsculos, que passam zunindo em volta, e tufos de fumaça escura sobem de chaminés fuliginosas.
Renu nasceu em uma família indiana tradicional que observa o costume do casamento arranjado. Só que ela não é do tipo que se deixa arranjar. Emergiu da meninice como uma vigorosa tenista, suada demais para entrar num sári e mais inteligente que muitos dos homens que a cercavam. Ainda assim, aos 17 anos, casaram-na com um primo-irmão, um homem que ela mal conhecia, a quem ela quis aprender a amar, mas não conseguiu. Para Renu, os casamentos arranjados são como atos de “estupro sancionados pelo Estado”.
Renu ansiava apaixonar-se pelo marido, mas, quanto mais os anos passavam, menos amor ela sentia, até que, extenuada e amargurada, escondia-se atrás das cortinas da casa dos sogros para espiar, sequiosa, o casal na sacada da frente. “Era óbvio para mim que eles se casaram por amor, e eu os invejava. Me doía ver como eles ficavam juntos, como saíam para comprar pão e ovos.”
Exausta de ser forçada ao confinamento, de ser embrulhada em sáris que lhe tolhiam os movimentos, de resistir à pressão para comer no prato do marido, Renu fez o que a cultura indiana tradicional proíbe. Foi embora. Tinha dois filhos. Levou-os consigo. Pensava sempre em um velho filme que vira na televisão, um filme estranho e fascinante, desnorteante e confortador, que não lhe saía da cabeça. Chama-se Love Story.
“Antes de ter visto filmes como Love Story, eu desconhecia o poder do amor”, diz ela. Renu teve sorte, por fim. Em Mumbai, conheceu um homem chamado Anil, e foi então que Renu, pela primeira vez, sentiu paixão. “Quando encontrei Anil, aconteceu o que até então eu desconhecia. Ele foi o primeiro homem com quem tive um orgasmo. Eu vivia em êxtase, um êxtase absoluto, o tempo inteiro. E sabia que não duraria para sempre, não podia durar. Por isso, aquilo vinha permeado de uma sensação de saudade, quase como se estivéssemos vendo o fim aproximar-se enquanto ainda estávamos descobrindo um ao outro.”
Quando Renu fala em fim, decerto não é do relacionamento com Anil a que ela se refere, mas ao fim de uma determinada fase. Os dois, com o cão dachshund preto brincalhão que compraram juntos, continuam casados e felizes, são companheiros, amam-se, mesmo que não estejam “loucos de paixão”. A fogueira que outrora os consumia agora parece ter-se acalmado, baixado a uma temperatura mais branda e constante, suficiente para mantê-los bem alimentados e aquecidos. Eles são gratos. “Se eu quero toda aquela paixão de volta?”, pergunta Renu. “Às vezes, sim. Mas, para ser franca, era extenuante.”
Do ponto de vista fisiológico, esse casal passou do estado de amor romântico encharcado de dopamina para a relativa serenidade de uma união induzida pela oxitocina. Esse é um hormônio que favorece o sentimento de conexão, de ligação. É liberado quando abraçamos o nosso parceiro de longa data ou nossos filhos. É liberado quando a mãe amamenta o bebê. Os arganazes-do-campo, animais com altos níveis de oxitocina, mantêm o mesmo parceiro a vida toda. Quando os cientistas bloqueiam os receptores de oxitocina nesses roedores, não se formam laços monogâmicos, e eles tendem a trocar de parceiro. Estudiosos avaliam a hipótese de que o autismo, distúrbio caracterizado por profunda incapacidade de estabelecer e manter conexões sociais, esteja associado à deficiência de oxitocina. Em experimentos, cientistas ministraram oxitocina a autistas, e em alguns casos isso ajudou a aliviar sintomas.
Acredita-se que nos relacionamentos de longo prazo bem-sucedidos – como o de Renu e Anil – a oxitocina seja abundante nos dois parceiros. Nos relacionamentos de longo prazo que nunca chegam a decolar, como o de Renu e seu primeiro marido, ou que despencam assim que a viagem acaba, há boas probabilidades de que o casal não tenha encontrado um modo de estimular ou sustentar a produção de oxitocina. “Existem meios de ajudar o processo”, ensina Helen Fisher. “Massagem. Fazer amor. Essas coisas favorecem a liberação de oxitocina e com isso nos fazem sentir bem mais próximos do nosso parceiro.”
Deve ser um bom conselho, eu acho, mas se baseia na hipótese de que você ainda quer fazer amor com o falastrão do seu marido. O negócio então é fingir até conseguir?
“Sim”, diz Helen. “Supondo um relacionamento razoavelmente sadio, se você tiver orgasmos suficientes com seu parceiro, pode adquirir apego a ele. Porque estará estimulando a oxitocina.”
Pode ser verdade. Mas parece desagradável. É exatamente o que nossa mãe sempre dizia sobre os legumes: “Continue comendo ervilhas. A gente não nasce gostando, o gosto vem com o tempo.” Mas eu até hoje não sou chegada a ervilha.
O calor é de 32 graus no dia em que meu marido e eu viajamos de Boston a Nova York para participar de um curso de beijo. Com dois filhos, dois gatos, dois cachorros e uma casa, poderíamos já saber beijar, mas, na balbúrdia da nossa vida corrida, de fato havíamos desaprendido.
O céu está forrado de nuvens, e o ar, grudento como a geléia que temos nas mãos e no pescoço. A Escola de Beijo, dirigida por Cherie Byrd, terapeuta de Seattle, funciona no 12o andar de um prédio decrépito em Manhattan. Lá dentro, na sala de paredes caiadas, garrafas com néctar de banana e damasco, um bule de chá verde, pastilhas de hortelã para o hálito e protetor labial estão servidos sobre uma mesa azulejada. Os outros alunos da Escola de Beijo – às vezes vem gente até do Vietnã e da Nigéria – estão alegremente esparramados pelo chão, em cima de travesseiros e cobertores. A aula terá sete horas.
Cherie começa com fricções nos pés. “Para ser bom beijador, você precisa aprender a fazer as preliminares.” As preliminares requerem que eu massageie os pés chulepentos do meu marido, mas o pior é quando ele tem de massagear os meus. Pouco antes de sairmos de casa, eu tinha pisado numa fralda que o cachorro havia tirado da lixeira para brincar e, embora tivesse lavado o pé, agora me perguntava se o fizera direito.
“Inspire”, diz Cherie, e nos mostra como sorver o ar. “Expire”, comanda, esmurrando as costas do meu marido. “Não se concentre tanto nos dedos”, recomenda. “Vá para a panturrilha.”
Cherie fala outras coisas sobre a arte de beijar. Descreve a movimentação da energia pelos vários chakras, a manifestação da emoção nos lábios, discorre sobre a importância de abraçar em todos os sentidos da palavra, sobre como fazer contato visual como um prelúdio, como sussurrar da maneira ideal. Muitas horas se passam. Meu celular toca. É a baby-sitter. Nosso bebê de 1 ano está com febre alta. Somos obrigados a interromper a lição. Saímos às pressas. Mais tarde, conto aos amigos o que aprendemos na Escola de Beijo: que não temos tempo para beijar.
Um casamento muito típico, realmente. Amor no mundo ocidental.
Ainda bem que aprendi outras opções para fazer o amor pegar no tranco. Arthur Aron, psicólogo da Universidade Stony Brook, em Nova York, fez um experimento que elucida alguns dos mecanismos pelos quais a atração entre duas pessoas nasce e se mantém. Ele recrutou um grupo de homens e mulheres, pôs pares do sexo oposto em salas e deu a cada um várias tarefas, entre as quais contar ao outro detalhes sobre si mesmo. Em seguida, pediu a cada casal que se olhasse nos olhos por dois minutos. Depois do encontro, a maioria daqueles casais, pessoas que antes não se conheciam, informou a Aron estar sentindo atração. De fato, um dos pares acabou se casando.
Helen afirma que esse exercício opera maravilhas. Aron e Helen também sugerem fazer coisas novas juntos, pois a novidade libera dopamina no cérebro, o que pode estimular sentimentos de atração. Em outras palavras, se o seu coração dispara na presença dele, você pode decidir que não é por ansiedade, mas porque você o ama. Levando a idéia um passo além, Aron e outros constataram que, mesmo se você apenas correr sem sair do lugar e em seguida encontrar alguém, aumentará sua probabilidade de considerar essa pessoa atraente. Por isso, um primeiro encontro que envolver uma atividade que mexe com os nervos, como andar de montanha-russa, terá maior probabilidade de levar a um segundo e a um terceiro encontros. É uma estratégia que as agências matrimoniais deviam ensinar a seus clientes. Jogue uma partida de tênis. E em momentos de grande tensão – desastres naturais, blecaute, predadores rondando – tranque as portas e abrace seu parceiro.
Em Sommerville, Massachusetts, onde moro com meu marido, nossos maiores predadores são os mosquitos. Nem por isso cada um de nós precisa deixar de tentar entrar pela janela da alma do outro. Quando faço essa proposta a Benjamim, ele mostra uma cara de dúvida.
“Por quê, em vez disso, não saímos para provar comida cambojana?”, sugere. “Porque não foi assim que o experimento aconteceu”, respondo.
Meu marido, sendo cientista, não iria perder a chance de comprovar um experimento. Mas vivemos tão ocupados que, para pô-lo em prática, precisamos fazer um plano: nos encontraremos na próxima quarta-feira na hora do almoço e tentaremos experimentar em nosso carro.
Na terça, véspera do nosso rendez-vous, preciso fazer uma viagem não planejada a Nova York. Meu marido não se incomoda nem um pouco em cancelarmos nosso encontro. Mas eu, sim. Naquela noite, telefono para ele do quarto do hotel.
“Podemos fazer pelo telefone”, digo.
“O que devo fitar? O teclado?”
“Tem uma foto minha na parede. Olhe para ela por dois minutos. E eu vou olhar uma foto sua que tenho na carteira.”
“Você está brincando, não está?”
“Ah, vá, por favor! É melhor do que nada.”
Não sei, não. Dois minutos parecem uma eternidade para ficar com o telefone no ouvido fitando o retrato de alguém. Meu marido espirra, e eu imagino sua foto espirrando junto. Acabo rindo.
Mais 15 segundos se passam lentamente, cada segundo se arrasta até que quase ouço o tempo, sinto o tempo, sua textura de puxa-puxa, o estalo que faz quando finalmente passa. Pop… Pop… Pop. Olho e olho a foto do meu marido. Isso não produz nenhuma sensação de surpreendente intimidade, e eu me sinto derrotada.
Mas insisto. Posso ouvir a respiração dele do outro lado da linha. A foto que vejo foi tirada há mais ou menos um ano, coube certinho na minha carteira, seus cabelos cor de cenoura presos num rabo-de-cavalo. Eu nunca prestara muita atenção nela. Percebo então que, na foto, meu marido não está olhando para mim. Seus olhos azul-claros estão voltados para o lado esquerdo, mirando algo que não posso ver. Toco em seus olhos. Examino mais de perto seu rosto que não me olha. Há algo de triste na expressão dele, algo de triste no modo como ele olha para outro lugar?
Examino o canto da foto para descobrir o que ele está olhando e vejo uma tartaruguinha que vem na direção dele. Agora me recordo como ele a apanhou depois que a foto foi batida, como a segurou com delicadeza, mostrou-a às crianças, acariciou a carapaça com o indicador no bojo escamoso, como ele me estendeu a mão com o bichinho, uma oferta de amor. Eu a peguei, e juntos a pusemos de volta no mar.
por Lauren Slater
Fonte:http://viajeaqui.abril.com.br/materias/seducao-amor?pw=1
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